quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Se Preparem



No dia em que eu morrer, se preparem!

Tenho tanta coisa guardada dentro de mim...
Um sentimento tão bom, que quer abraçar a todos.
Uma vontade insaciável de dar carinho, atenção, compreensão e amor.
Algo tão grande que meu pequeno corpo quase não consegue suportar.
Algo tão forte, que meu limitado cérebro parece que vai explodir.
Eu queria ser Deus, pra fazer um mundo melhor.
Por mais que tente de todas as formas,
não consigo colocar tudo isso pra fora.
Mas no dia em que eu morrer, tudo isso estará livre!
Sairá voando sem ninguém perceber
e vai passar por cada cantinho que existe nesse mundo.
Tocará por um instante, e de leve, o coração de cada um que por aqui estiver.
Você vai sentir uma coisa no peito
ou vai ter um pensamento diferente.
Esse sou eu!
Sem nome, sem rosto, sem corpo, apenas eu.
Só peço que me recebam de peito aberto
e espero que alguma coisa de mim fique em vocês.
Um sentimento bom, uma ideia melhor, ou uma esperança maior.
Se nenhuma vida é em vão, nenhuma morte também deve ser.
Vou poder influenciar muito mais do que antes,
pois vou entrar em vocês, sem ninguém saber.

No dia em que eu morrer, se preparem!
Olhem pra dentro de vocês e reparem,
que tem vidas, que nem a morte consegue fazer que parem.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sorrateiro



É..., de nada adianta flores,
se não souber dizer não.
Nem um litro de aguardente
cicatriza um coração.
Gente grande não precisa
dessa coisa de primeiro.
Que o segundo passe logo.
Quero mesmo é ser terceiro.
Com o Chico eu aprendi
essa soma complicada.
E quando menos esperar
é que eu vou chegar, do nada.



S

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mundanças



Aqui posso falar o que quiser
Posso até usar meu amigo, Lavoisier

Mesmo sem ter certeza
Porque não dei nem uma lida
Acho que não só a natureza
Como também nossa vida

Tem uma certa magia
Uma coisa que me transtorna
Pois nela também nada se perde e nada se cria
Mas tudo sempre se transforma


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Pra Dar Uma Volta...



O que espero de uma mulher
Não é alguém pra por a mesa
Nem quero padrão de beleza
E tanto faz de onde vier

Pode gostar de um outro assunto
Dizer não, quando digo sim
Só espero alguém que eu queira andar junto
E que queira andar junto de mim.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ponto de Vista



Quem sabe escolher com que olhos irá olhar pro mundo,
tem o poder de escolher qual o mundo que seus olhos verão.



sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Amor de Verdade



Se existe uma coisa que nunca morre,
é o amor de verdade.
Pode até se transformar,
mas não perde intensidade.
Se disfarça de outras coisas,
mas é pra toda eternidade.
Às vezes ele nem tem foco,
e é por toda sociedade.
Mas recebe um outro nome,
chama-se solidariedade.
Quando se sente por amigo,
só aumenta a amizade.
Não vale amiga colorida,
que não passa de vontade.
Quando é pela ex-namorada,
vira desejo de felicidade.
Mas não misture ele com pena,
senão vira piedade.
Quando sentimos por nós mesmos,
diminui a nossa idade.
Nos ajuda a ser feliz,
viver com sinceridade.
Até que ele vem diferente,
e nos enche de saudade.
Faz querer sair correndo
e gritar pela cidade.
Você se pega ali cantando,
no meio da tempestade.
Valorize esse momento,
pois é uma raridade.
É uma chance de você
ter encontrado a outra metade.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Decisões e Escolhas


Dizem que a vida é curta.
Que você pode ser atropelado a qualquer momento.
E que você deve decidir suas coisas, como se hoje fosse o último dia de sua vida.
Mas preste atenção...
Porque a vida é longa.
Você, provavelmente, não será atropelado.
E cada decisão que você tomar hoje terá consequências nos próximos 50 anos de sua vida.

Também dizem que a vida é feita de escolhas.
Mas não escolhemos quando vamos nascer.
Não escolhemos nossa família.
Não escolhemos nem a pessoa que vamos amar.
Mas em compensação...
Podemos escolher a maneira que vamos viver nossa vida.
Podemos escolher a maneira que vamos conviver com nossa família.
Podemos escolher a maneira que vamos amar.


(ideias retiradas do filme "Eu Acho Que Amo Minha Mulher")

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Meu Eu Ator


Final de semana passado, fui assistir ao Cirque du Soleil aqui em Brasília. Um espetáculo incrível, que consegue tocar fundo nos sentimentos de quem o vê. A combinação de coreografias e efeitos especiais de luz e som dão uma beleza visual enorme. Mas o que mais me tocava era a simplicidade da atuação de uma menina que estava no papel principal. Sua atuação, com inocência e fragilidade, falava dentro de mim. Despertava a criança que escondemos (uns como eu nem tanto) dentro de nós. Fiquei imaginando como seria estar alí, em cima de um palco com milhares de pessoas assistindo e ao mesmo tento conseguir se movimentar com tanta graça e naturalidade.
No começo do show, chamaram duas pessoas da platéia para participarem. Não ficaram muito no palco, mas me deixaram na expectativa de ser chamado também. Mas acabou a primeira parte e a segunda já estava perto do fim e nada de chamarem mais ninguém. A cada novo ato, ficava torcendo pra que a platéia pudesse participar e assim ter uma chance de ser chamado. Mas nada... Até que entrou um palhaço e a menina com umas fantasias e uma câmera filmadora de brinquedo. Montaram um cenário e chamaram uma mulher para participar. Os holofotes passaram a iluminar o setor em que eu estava e o palhaço, formando uma moldura com as mãos, vasculhava a platéia em busca de mais um ator para a peça que seria encenada. Como que se ele já soubesse aonde ia, percorreu a fileira onde eu estava desde o início e parou, com a moldura de suas mãos, justamente em mim! Toda minha vontade de ser chamado ao palco passou completamente naquele exato instante. Na dúvida, fiz um sinal perguntando se era mesmo eu. O palhaço confirmou. Deixei qualquer pensamento de lado. Me levantei e fui em busca do desejo que tinha tido durante todo o espetáculo. Em cima do palco, enquanto tinha que simplesmente ficar parado, minhas pernas tremiam tanto que achava que ia cair. Não sabia onde colocar as mãos. Não sabia para onde olhar nem que cara fazer. Quando criança, participei de algumas peças no colégio e me lembro que me diziam que eu levava jeito pra coisa. O adulto que cresce em mim é um tanto desajeitado. Ainda tem um toque de criança-ator, mas tenta ser mais sério, mais maduro. Achei que ia passar vexame quando tivesse que fazer alguma coisa. Chamaram mais duas pessoas ao palco e o palhaço começou a explicar, somente com gestos, o que cada um deveria fazer. Todos nós da platéia estávamos meio perdidos no começo, sem entender direito o que fazer. Tendo que assimilar as cenas de uma peça, enquanto nossas cabeças tentavam não pensar em todas as pessoas em volta que nos assistiam. Durante o ensaio, numa cena onde eu levava um tiro, me joguei ao chão e a platéia riu muito. Acho que eu não tinha que cair pois era apenas um ensaio. Mas era também uma comédia, então fazer a platéia rir fazia parte do plano. Os dois últimos a serem chamados participavam bem pouco da peça. Enquanto eu e a mulher éramos os atores principais. Dois amantes que eram flagrados pelo marido da mulher. Este me matava com um tiro e ela ao me ver morto, se suicidava ao meu lado. Tudo não durou muito mais do que dez minutos. Mas apenas a cena onde eu tinha que atravessar o palco sozinho, depois de levar o tiro, cambaleando e morrendo aos poucos, já fez o tempo parar de certa forma. Percebi que durante minha performance solitária, alguns focos de riso surgiam na platéia e tive a satisfação de receber aplausos ao cair morto no centro do palco. Acho que fiquei em um certo transe o resto da noite. Mesmo depois de acabar o show e ir pra casa. Tinha realizado meu desejo. Mas antes de tudo tinha despertado um lado meu que não via fazia muito tempo.
Cada vez mais tenho certeza de que minha vida é um filme. Ou poderia chamar de peça de teatro. A moral é a mesma. Vivo minha vida, como se tudo fosse possível, como se eu pudesse escrever um roteiro das coisas que acontecem. Idealizo meus sonhos na realidade. Não deixo de incluir nada, por mais grandioso e impossível de realizar que possa parecer. Sonho coisas grandes. Objetivos que vão muito além do céu e das estrelas. Por isso, as vezes também levo tombos grandes. Caio lá de cima e me esborracho no chão. Assim é minha vida. Momentos de aventura. Momentos de comédia. Momentos de romance. Momentos de drama. Muita emoção! Muito riso! Muito amor! E muita lágrima! Só cuido pra não levar uma vida muito alternativa e acabar como aqueles finais inesperados onde se sai triste do cinema. Aposto na probabilidade. Afinal, a grande maioria dos filmes tem sempre um final feliz...

sábado, 19 de setembro de 2009

Música do Dia


Vento, ventania, me leve para as bordas do céu...
Eu vou puxar as barbas de Deus.
Vento, ventania, me leve pra onde nasce a chuva...
Pra lá de onde o vento faz a curva.

Me deixe cavalgar nos seus desatinos,
Nas revoadas, redemoinhos.

Vento, ventania, me leve sem destino...

Quero juntar-me a você,
E carregar os balões pro mar.
Quero enrolar as pipas nos fios,
Mandar meus beijos pelo ar.

Vento, ventania, me leve pra qualquer lugar...

Me leve para qualquer canto do mundo,
Ásia, Europa e América!

Vento, ventania, me leve para as bordas do céu...
Eu vou puxar as barbas de Deus.
Vento, ventania, me leve para os quatro cantos do mundo...
Me leve pra qualquer lugar!

Me deixe cavalgar nos seus desatinos,
Nas revoadas, redemoinhos.

Vento, ventania, me leve sem destino...

Quero mover as pás dos moinhos,
E abrandar o calor do Sol.
Quero emaranhar o cabelo da menina,
Mandar meus beijos pelo ar.

Vento, ventania, me leve pra qualquer lugar...

Me leve para qualquer canto do mundo,
Ásia, Europa e América!

...

You are my sunshine! My only sunshine, right...
You make me happy, when skies are gray!
You"ll never know dear... How much I love you...
Please don't take my sunshine away!
Please don't take my sunshine away!

...

Me deixe cavalgar nos seus desatinos,
Nas revoadas, redemoinhos.

Vento, ventania, me leve sem destino...

Quero juntar-me a você,
E carregar os balões pro mar.
Quero enrolar as pipas nos fios,
Mandar meus beijos pelo ar.

Vento, ventania...
Agora que estou solto na vida!!!
Me leve pra qualquer lugar!!!
Me leve mas não me faça voltar!!!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Diários de Bicicleta - Conclusão


Agora está tudo certo. Passagem mudada. Volto daqui a 4 dias. Vou ter um dia pra me despedir de Canberra e outro pra me despedir de Sydney. Tá bom... Aprendi que não é bom ter muito tempo pra se despedir de um lugar. É mais sofrido. Tendo pouco tempo eu nem me preocupo em fazer muita coisa que ainda não fiz. Procuro só aproveitar as coisas que mais gostei.
Vão ser dias intensos. Como foram esses últimos, aqui e no Brasil. Não tenho mais ligação com nenhum fuso horário. Durmo um pouco de dia, um pouco à noite. Mais um pouco dessas fases de transição. Esse turbilhão que nos tira o chão e parece que tudo está rodando. Decidir que caminho dar pra vida no meio dessa confusão, não é fácil. Mas confesso que já estou ficando acostumado.
As idéias se misturam. Com tanta mudança, não sabemos direito nem onde estamos. Nessas horas é bom ter alguém pra conversar. Um acompanhamento psicológico ajudaria qualquer um. Pois se chega à beira da loucura. Dar um rumo pra vida é muito foda! Exige muito de vários aspectos da gente. Temos que ser maduros e responsáveis, pois é nosso destino que está em jogo. Temos que ser persistentes e sonhadores, pois é nossa vida que está em jogo. E no meio de tudo isso, encontrei muita ajuda em mim mesmo. Escrevendo e lendo o que escrevi, encontrei nesse blog meu maior psicólogo. Lendo meus textos anteriores, entendi toda a seqüência das minhas mudanças. Pode ser que seja apenas uma forma de eu justificar as minhas atitudes. Mas devo ser muito bom nisso, porque hoje vejo lógica em cada passo dado. Uma seqüência de etapas vividas e vencidas que seguem um rumo comum. E essa seqüência lógica pode ser apenas desculpa minha, mas pode ser apenas eu.
Resumo minha idéia de partida adaptando um texto de Michel Serres que citei quando essa viagem começou.
"Ao atravessar o rio e entregar-se completamente nu ao domínio da margem à frente, ele acaba de aprender uma coisa mestiça. O outro lado, os novos costumes, uma língua estrangeira, é claro. Mas, acima disso, acaba de aprender a aprendizagem.
Universal significa: aquilo que, embora sendo único, verte em todos os sentidos.O infinito entra no corpo de quem, por muito tempo, atravessa um rio perigoso e largo.
Então, o solitário, vagando sem pertencer a nada, tudo pode receber e integrar: todos os sentidos se equivalem.
De fato, nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem convidá-lo a deixar o ninho. Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permanece aderente à margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa e à aldeia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos. Quem não se mexe nada aprende. Sim, parte, divide-te em partes. Teus semelhantes talvez te condenem como um irmão desgarrado. Eras único e referenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes incoerente como o universo que, no início, explodiu, diz-se, com enorme estrondo. Parte, e tudo então começa, pelo menos a tua explosão em mundos à parte. Tudo começa por este nada. Nenhum aprendizado dispensa a viagem. Sob a orientação de um guia, a educação empurra para fora. Parte, sai. Sai do ventre de tua mãe, do berço, da sombra oferecida pela casa do pai e pelas paisagens juvenis.
Ao vento, sob a chuva: do lado de fora faltam abrigos. Tuas idéias iniciais só repetem palavras antigas.
Explodir em pedaços para se lançar em um caminho de destino incerto exige um heroísmo que sobretudo a infância parece capaz de mostrar.
... só resta tomar o corpo, a língua ou a alma a contrapelo. Bifurcar quer dizer obrigatoriamente decidir-se por um caminho transversal que conduz a um lugar ignorado. Sobretudo: jamais tomar a estrada fácil, melhor atravessar o rio a nado. Partir. Sair. Deixar-se um dia seduzir. Tornar-se vários, desbravar o exterior, bifurca em algum lugar. Eis as três primeiras estranhezas, os três primeiros modos de se expor. Porque não há aprendizado sem exposição, às vezes perigosa, ao outro. Nunca mais saberei quem sou, onde estou, de onde venho, aonde vou, por onde passar. Eu me exponho ao outro, às estranhezas. Por onde, esta é a quarta questão, colocada com novos dispêndios. O guia temporário e o mestre conhecem o lugar para onde levam o iniciado, que ainda o ignora mas a seu tempo o descobrirá."

E assim parti...
E foi uma volta temporária que me mostrou o lugar para onde vou. Tive que sair, voltar sair mais uma vez, para ter certeza. Descobri o que tinha que descobrir!
Quando voltei de Londres, sofri muito com uma vontade. Vontade de voltar... Sonhava com isso constantemente durante anos. Sabia que eu podia passar o resto da vida vivendo aquilo que vivi por lá. Eu era pleno. Mas o sentimento de conhecer um lugar coisas muito melhores e viver uma vida mais minha, fizeram da minha volta um problema. Não queria aquela realidade pra mim. Então saí mais uma vez. Encontrei outro lugar com coisas melhores e vi que viver uma vida mais minha, depende só de mim.
Acontece que tinha um ponto que ainda não tinha percebido. Minha busca era por uma coisa minha, mas a lição ia mais além... Descobri que consigo fazer sozinho tudo que fiz com a ajuda de amigos de verdade em Londres. Só dependo de mim. Tenho forças pra enfrentar qualquer dificuldade. Mas a volta pro Brasil me mostrou um outro lado nisso tudo. Mesmo podendo fazer tudo sozinho, posso fazer tudo bem melhor com a ajuda de amigos.
Pude encontrar mais uma vez o Fábio. Um amigo que deveria chamar de algum outro nome, de tão amigo que é. Acho que ele não faz idéia de quanto o considero. O quanto ele é importante pra minha vida. Quanto já me ajudou e ainda ajuda. Mesmo convivendo pouco. Mesmo em momentos curtos. Me enche de esperança, confiança e determinação. Me ilumina por dentro e me ajuda a entender meu passado, decidir no presente e sonhar no futuro.
Tive a satisfação de passar alguns momentos com o Élido e sua vida, tão diferente, agora que é pai. Uma mudança que também me ilumina. Me faz entender muito sobre a vida. Muito sobre família. Muito sobre luta e esperança. A grandeza de uma vida tranqüila ao lado de quem amamos. Como ao lado do Pedro, meu companheiro de bagunça, é um homem responsável. Um pai apaixonado. Uma pessoa feliz! Tive pouco tempo com o Michel, porque na correria do trabalho, ele ainda segue seus ideais. Constrói a base de suas idéias. Me enche de fé nas batalhas do dia-a-dia. Me faz acreditar em acordar cedo e ir dormir tarde pelo trabalho. Em que mesmo nós sendo pequenos, podemos lutar com inteligência contra os grandes. Mas teve alguém que me marcou de uma maneira especial. Alguém que não diminui nem um pouco a importância dos outros. Que não encerra a lista de tantos outros amigos que têm uma importância enorme pra mim. Mas que compartilha de forma mais próxima a noção das mudanças pelas quais estou passando.



O Paulo foi minha outra metade enquanto estive em Londres. Já era assim um tempo antes, seguiu assim um tempo depois. Comecei minha amizade com ele quando eu tinha vinte anos e seis meses. Agora, que faltam seis pros meus trinta, começo a ter mais noção do tamanho dessa amizade. Posso não ter tanto tempo de amizade com ele quanto tenho com outros amigos dos tempos de colégio. Posso não vir a ter mais tanto contato com ele como terei com outras futuras pessoas que passarão pela minha vida. Mas meus vinte anos foram com ele. É a figura que mais representa essa fase da minha vida. O símbolo dos meus vinte. Quase tudo que fiz e considero grandioso, durante essa fase, fiz com ele. Muitas festas. Muitas conversas. Companheiros de trago e de conselhos de amor. Sonhos sonhados juntos, caminhos debatidos com enérgica divergência. Viagens. Até para outros mundos. Sucesso e dinheiro. Nossa... quanto dinheiro. Hahahahaha... Mas no fundo, acho que a coisa que mais nos une é o que representamos um para o outro. O poder que temos de fazer o outro enxergar o que não conseguia ver. Um para o outro, somos um espelho. Onde vemos nossos maiores defeitos. Mas o que também nos mostra nossas maiores virtudes.
Foi a pessoa que mais pensei e quem mais gostaria que estivesse do meu lado nessa viagem. Foi alguém que o destino cuidou para estar de volta pra Porto Alegre no mesmo tempo que eu. Pra eu sentir a energia de sua viagem. Junto com a minha. A viagem dele ainda é um sonho meu, que um dia vou conseguir encaixar no meu caminho. Um sonho que tivemos juntos, junto com outros tantos. Sonhos que ainda realizaremos, juntos ou separados. Mas o que importa agora é o impulso que um dá ao outro. O apoio, a idéia, a motivação.
Além disso tudo, mesmo no primeiro dia de reencontro. Ele me trouxe algo mais do que uma amizade. Logo ao seu lado, eu via uma luz que me fazia até esquecer o reencontro com o amigo. Uma visão da qual eu queria mais. E me trouxe novas idéias, novos sonhos. Sonhos que nunca teria com ele, mas que posso ter pra sempre com ela. E acho até engraçado, ter alguém do meu lado, com quem tenho um irmão em comum.
Meu companheiro dos 20
No final, me fez apaixonado
E será que a partir dos meus 30
Meu irmão vai virar meu cunhado?

Hahahahahahahahaha...
Nessas pequenas coisas... Algumas coincidências. Que acham sentido pra tudo. É onde eu vejo que a vida é bela. Pra quem olha com alegria. Me sinto feliz e sigo tranqüilo.
Juntando todas essas coisas. Ouvindo as histórias da viagem que ele fez. Os planos que ele disse que já tinha pra mim e a noção de que se pode fazer muita coisa ainda aí no Brasil. O sentimento de conforto por estar perto da família. A alegria de estar com os amigos outra vez. O coração enlouquecido dizendo que tudo que se precisa é só amor. A vontade de conhecer mais do meu país. Me sentir mais na minha terra. Tudo isso me fez me sentir mudado. Me sentir completo. Cheguei onde queria chegar. Onde tinha que chegar. Entendi que sou capaz de fazer tudo sozinho. Mas estando ao lado dos meus amigos e daqueles que amo, me sinto muito melhor, e por isso, posso fazer tudo melhor.
E assim..., depois de toda a travessia. Depois de todo o aprendizado. Me jogo mais uma vez da ponte. Me atiro ao ar e vôo. Mergulho em mais um rio. Procuro mais um aprendizado. Mais uma mudança. Sei que é mais um desafio. Sei que terei que aprender muita coisa. E pra isso, terei que fazer muita coisa. Mas sei dos sonhos que tenho. E olho pra minha frente, vendo o caminho que ainda tenho a percorrer. Existem muitos outros rios pra atravessar. Muitas outras coisas pra se aprender. Então, decidi não ficar parado, esperando para descansar. Decidi já cruzar outras águas. Porque é longe que quero chegar.


domingo, 9 de agosto de 2009

Diários de Bicicleta - Capítulo 10



Depois de muito tempo, volto a explicar diretamente o que está acontecendo nessa viagem. No meio do rio, as águas correm mais rápido. A correnteza não me dava tempo nem de parar pra escrever. Mas acontece que agora cheguei do outro lado do rio. Completei a travessia. Venci o desafio e simplesmente, mudei. Mais uma vez, sem medo de ser uma metamorfose ambulante. Porque é justamente a mudança que nos permite continuar sendo nós mesmos, apenas numa nova situação. E agora posso escrever novamente, tenho mais tempo pras minhas coisas.

Quando vim pra Austrália tinha um plano, conseguir a residência para poder abrir um negócio (que seria um bar, restaurante ou pousada) e poder fazer um mestrado em História na Universidade de Melbourne. Mas antes de qualquer coisa, queria matar a vontade que tinha de fazer outra viagem como a que tinha feito pra Londres, mas dessa vez fazer ela sozinho. Para saber do que sou capaz. A viagem deu tão certo que antes mesmo de um ano, consegui realizar uma vontade que não realizei da Europa, de voltar pro Brasil de surpresa, com presente pra todo mundo e dinheiro no bolso. Saber que não só valeu a experiência, mas financeiramente também foi positivo. Só que viajar de volta pro Brasil muda qualquer pessoa, tanto como viajar pra fora dele.

Antes de sair da Austrália, muitos aqui me disseram que achavam que eu iria acabar me apaixonando ou desistindo de voltar do Brasil por qualquer razão. Mas fui, e voltei. Apaixonado, é verdade!!! Mas voltei. Voltei por alguma razão que não sei qual foi. Talvez só pudesse ser assim mesmo...

Fui pro Brasil por causa do aniversário de 50 anos da minha mãe. Apesar de saber dos riscos de não conseguir o visto mais uma vez e ou de não ter mais o emprego na volta. Sempre vivi do lado dela e cada vez que saio, tenho muita vontade de chorar. Mas também pude aproveitar um pouco do meu pai. Pouco apenas no tempo, porque pelo menos pra mim foi muito intenso. Aprendi como a muito não aprendia. Sempre vivi longe dele, mas cada vez que vejo, eu quero ficar mais.

A travessia do rio foi um aprendizado sobre mim. Assuntos meus, comigo mesmo. A chegada ao outro lado, me mostrou que depois de cuidar de nós mesmos, cuidamos da nossa família. E eu comecei pela família que me gerou. Mas também caminhei pra família que vou gerar. Mas apesar de tudo, eu sai do ninho mais uma vez. Para ter certeza, acho que precisava sentir no peito. Mais uma vez a saudade e a tristeza do até mais no aeroporto pro meu pai. Mais uma vez o choro doído ao abraçar a minha mãe. E pela primeira vez um sentimento de separação que só se comparava ao sentimento que tinha quando muito criança e eu chorava por ficar na casa da minha vó sem minha mãe por alguns dias. Esses dias eram meses pra mim. E o amor que surgiu em meio a isso tudo fala tão forte dentro de mim que me faz criança na dor e na alegria. Me faz sentir o futuro da minha família mais perto de mim. O único plano que não estava nos planos dessa viagem. Surge de repente, e muda alguma coisa dentro de mim que se junta ao aprendizado com meus pais.

Além de ter o sonho de formar uma família, tenho sempre comigo o sonho de mudar o mundo. Desde que meu pai me disse que queria deixar um mundo pros filhos dele, melhor do que o que ele recebeu. Quero deixar também um mundo melhor pros meus. E hoje vejo, nos olhos da Carol, uma vida em família. E assim, mudei querendo caminhar mais diretamente nessa direção. De poder assumir novas responsabilidades. De saber viver do outro lado do rio. Finalmente deixando a vida de jovem e aceitando a vida de adulto. Sabendo que novas fases trazem novos desafios. Mas que em todas as fases que vivi até hoje, soube ser criança, dar risada, brincar, sonhar e ser feliz. E isso não vai mudar. Vou continuar escrevendo minha vida como se fosse um livro. Vou continuar vivendo minha vida como se fosse um filme, um conto de fadas, mas uma história de gente grande.

Só por todas essas mudanças que aceitei o caminho que o destino me colocava a frente que era seguir com os planos que já tinha. Mas já focado nos objetivos que os conselhos de meu pai me ajudaram a enxergar. Colocar logo meus planos em prática e principalmente, com os pés no chão. Muito critiquei meu pai por não seguir ao pé da letra todos os planos e sonhos que já teve um dia. Dessa vez, vi ele chegar a chorar falando o quanto se importava com seus filhos. E na seqüência disso tudo, também senti a importância que têm os meus. Como todos os meus sonhos se relativizam se comparados ao sonho de ter um filho. Acredito que a característica mais forte em quase todos os animais seja a defesa incondicional de seus descendentes.

Não que se deixe a vida de lado pelos filhos. O objetivo final, os sonhos, são os mesmos. Mas o caminho até eles muda. Dá vontade de não arriscar tanto. Pelo menos não os altos riscos da vida de cuidar só de si. Uma necessidade maior de ver as coisas acontecendo. Uma base se formando. Um terreno onde construir uma casa.

Depois de enfrentar a direção do destino oposta ao coração e aos planos futuros, cheguei de volta ao outro lado do mundo. Vendo tudo já com novos olhos. Senti a diferença dos amigos que se foram e a turma nova não é mais a minha. Junto com aqueles que insistem em ficar, mas buscam coisas das quais não chegam perto. O lugar é bonito, mas essa vida já não é mais pra mim. Mas ia agüentar pela recompensa financeira a curto prazo. Dava pra fazer um caixa e depois pensar com calma. Mas o emprego também mudou. E a lei de mercado que impera aqui, da sempre preferência pra quem não saiu. O dinheiro vem, mas tu não pode se soltar.

Posso então tentar começar de novo. Demorar um tempo achando um novo caminho até me estabelecer pra só depois juntar dinheiro. Pensando com os pés no chão, é isso que vai acontecer. Não conseguiria juntar nada que fosse mudar minha vida.

Pesquisei sobre os mestrados. Vi que pra entrar num mestrado no Brasil e escrever sobre o assunto que eu quero de uma maneira que isso me abra portas pro futuro, vai ser muito difícil. Conseguir fazer isso aqui, conseguindo bolsa e ainda me virando pra me reorganizar, seria impossível. Mas podia juntar uma grana pra fazer o mestrado em Coimbra, que eu tinha ouvido falar que é bem barato. Barato é mesmo. Uns mil euros por ano. Só que não tem mestrado em história. Haahahahahaha... Nessas horas em que tudo dá errado é que eu paro e dou risada. Fica claro pra mim que esse não é o meu caminho. Mas ainda assim eu poderia ficar aqui e juntar uma grana pra levar pro Brasil.

Pesquisei então sobre mestrados no Brasil. Não vai ser agora uma pós no exterior, mas quero então uma faculdade federal. Pesquisei várias capitais. Adivinha só... As duas que tem linha de pesquisa exatamente onde eu quero são a UnB, em Brasília, e a UFRGS, em Porto Alegre. Cidades do meu pai e da minha mãe. Onde estão meus irmãos e meus amigos. Onde sei que me sinto bem. Pois aprendi isso agora. Por mais que se tenha experiências intensas fora da nossa cidade. A alegria que temos estando nela não se alcança em nenhuma outra. E me sinto em casa em ambas.

Aí o destino veio dar mais uma idéia... O processo de seleção da UnB vai de setembro ao início de dezembro. O da UFRGS ainda não saiu o edital, mas ano passado foi do final de dezembro ao meio de janeiro. Se por alguma razão eu ainda quiser mudar de idéia e voltar pra Austrália, ainda tenho visto até fevereiro que se estenderia mais sete meses.

Então pensei... a viagem acabou.

Vou voltar pro Brasil, ficar com meu pai estudando pros dois mestrados até dezembro em Brasília. Ir pra Porto Alegre e fazer a seleção da UFRGS. Ver o resultado das duas e daí decidir que caminho dar. Mas vou pra conseguir bolsa e somar isso a graninha que entra do apartamento pra me sustentar no tempo de mestrado. Depois dar aula em alguma universidade até estar preparado pra fazer meu doutorado. Acredito que depois disso, ou no meio do caminho, devo encaixar também um concurso pro Instituto Rio Branco. Pra logo na frente poder investir na carreira de diplomata e assim chegar nos meus planos de mudar o mundo. Juntando aos sonhos uma situação financeira um pouco apertada, mas possível, nesses primeiros tempos. E com uma perspectiva a médio prazo de uma grana bem mais tranqüila.

É uma mudança brusca de rumo, mas a mudança já aconteceu. Posso seguir tentando algo mais tranquilamente por aqui. Ou posso encarar um desafio maior, mas no sentido do que quero e perto de quem gosto. Os planos que tinha estavam certos, porque não sabia o que fazer. Funcionaram porque hoje sei o que fazer. Só que justamente por isso, os planos agora são outros.

Assim, comecei a realmente gostar da idéia...

E quando me dei conta que hoje é dia dos pais, aí então eu decidi. Chegou a hora de voltar por causa do meu pai. Pelas lições que ele me deu. Pelos sonhos que ele me deu. Pela chance de viver um pouco mais juntos que a vida ainda não tinha nos dado. Aí então decidi. Decidi que esse ano, meu presente do dias dos pais é apenas um sim. Um sim ao convite para morarmos juntos que meu pai me faz a mais de vinte anos.

E se o convite ainda estiver de pé...

Essa viagem de mudança
Esses diários de uma criança
Pegam esse meu sim
E colocam como fim.


quarta-feira, 1 de julho de 2009

A Dança e o Sexo


Sexo, pra mim, é como dançar.
Pode-se dançar com qualquer pessoa.
Há quem diga que não dança nem a pau, mas se não dançou, ainda vai dançar.
Tem quem ouve qualquer coisa e já sai dançando com qualquer um.
Pode-se dançar sozinho, que é bom.
Mas dançar com alguém é (quase sempre) melhor.
Muitos fazem da dança uma profissão.
Mas a maioria, dança mesmo pelo prazer de dançar.
Por melhor ou pior que se dance, o que faz a dança ser boa é a sintonia entre quem dança.
Tem dança que faz suar, tem dança que une as almas dos parceiros.
E dançar com alguém que se ama, tem um significado diferente.


Para uma melhor compreensão do texto, substitua o verbo dançar pelo verbo transar. ;)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Diários de Bicicleta - Capítulo 9


Quando saí do Brasil, tinha uma ponta de incerteza que me fazia não saber exatamente o que eu estava fazendo. Algumas pessoas chegaram pra mim e disseram pra eu pensar se eu não estava fugindo de nada. Indo morar longe para evitar ter que enfrentar as dificuldades que a vida adulta de um jovem recém formado apresenta. Assumir responsabilidade por sua própria vida, por seu sustento, encaminhar uma profissão, coisas assim. Eu só sabia que o que eu queria era encontrar alguma coisa que havia ficado perdida no meu passado. Um sentimento de plenitude que já por algum tempo havia desaparecido. Minhas últimas lembranças de momentos vividos com esse sentimento eram do tempo que vivi em Londres. Mas não sabia ai certo se isso vinha pelo fato de que de certa forma eu estava num mundo distante e diferente, vivendo uma situação provisória e sem muitas responsabilidades a longo prazo. Ou apenas pelo fato de poder me sustentar sem precisar sempre da ajuda da minha família. Vim para a Austrália com essa dúvida na cabeça. Posso mudar de cenário, mas as responsabilidades que terei que assumir continuarão a me esperar. Será que não estou apenas adiando o inevitável? Fugindo do meu destino? Aos poucos, vou me dando conta de que aquele sentimento de plenitude voltou a fazer parte de mim. Uma sensação de estar no caminho certo. Estando onde deveria estar e fazendo o que deveria fazer. E agora, depois de um pouco mais de tempo, vejo que não existia fuga nenhuma nessa história. Muito pelo contrário. Os desafios da responsabilidade pela vida, sustento e profissão não foram deixados de lado. Afinal, comecei assumindo uma grande responsabilidade com a decisão de viajar. Logo depois consegui garantir meu próprio sustento. Mas tudo isso eu já imaginava que seria possível e não muito difícil de conseguir. O problema é a profissão. De quê me serve essa experiência toda como garçom, lavador de pratos, colhedor de morangos, jardineiro, pedreiro e agora, instalador de ar-condicionados? Será isso que quero pra minha vida? Claro que não. Quem me conhece um pouco sabe como sou uma pessoa cheia de planos e sonhos. Não sei se já conheci alguêm tão idealista como eu. Sempre atrás do mundo ideal. O sonho do mundo perfeito, ou pelo menos um mundo bem melhor. Fora alguns pequenos desejos pessoais, só tenho dois grandes sonhos: uma família e um mundo melhor. Sendo que tenho essa busca por um mundo melhor como minha profissão, meu dever nessa vida. Nos meus últimos tempos no Brasil, acredito que eu me preocupei mais em lutar para encontrar uma família e deixar o destino me levar a fazer as coisas para melhorar o mundo. Mas depois de algum tempo, percebo que as táticas estavam invertidas. Devo lutar para fazer as coisas para melhorar o mundo e deixar o destino me levar a encontrar minha família. Na questão da família estou bem tranquílo. Vendo entre meus melhores amigos um casamento bem sucedido como nunca vi entre a geração que nos antecedeu (Fabio e Adriana) e uma família que me faz querer morar denovo em Porto Alegre pra criar meu filho (Élido, Carol e Pedro). Assim mantenho minha fé em relacionamentos saudáveis e na possibilidade de compartilhar o dia-a-dia com alguém especial. Mas sigo aproveitando meu momento sozinho. Minha vida de solteiro. Que pode acabar em dias ou em anos e por isso tem que ser bem vivida. Não posso reclamar de nada. Minha realidade e meus sonhos me satisfazem profundamente. Mas e a minha profissão? E aquela idéia toda de mudar o mundo? Tenho que correr atrás. Já pensei em mil e uma formas de revolução. Outras tantas teorias para que as coisas sejam diferentes. Mas sempre com um sentimento de poder fazer mais. Querer agir. Correr. Lutar. Fazer acontecer. Só que justamente quando tento, é que mais vejo que isso não é uma coisa assim impositiva. Não posso e nem nunca vou poder mudar o mundo à força. Nunca vou ter uma idéia mágica que me permita entender e fazer os outros entender uma maneira de fazer com que tudo melhore de uma hora para outra. Apesar de ser esse meu desejo. Sei que as coisas terão que mudar aos poucos, pois é assim que o mundo gira. Devagar. Mas constantemente. Por isso, apesar da demora, não desisto e nem mudo de idéia. Sigo no mesmo caminho no ritmo que o mundo impõe. Seguindo a ordem natural das coisas. Passo a passo. Geração a geração. Mas sem esquecer de sempre acrescentar alguma coisa. Por isso, enquanto não sigo meus estudos para poder seguir pensando e criando novas idéias, levo minha vida de instalador de ar-condicionados. Que me permite o presente. Que não é o meu futuro. Mas que serve de base para este. Me resolve a questão financeira do momento. Me permite guardar para os passos futuros. Além de me dar a possibilidade de usar esse tempo com coisas que não poderia em outras atividades. Como passar o dia com fones de ouvido ouvindo música. Mas o que parece lazer para alguns, pode ser utilizado como trabalho por outros. Enquanto uns apenas se distraem com a música, outros usam a música como inspiração. Aquele tempo em Londres me deixou decepcionado com o Brasil por ver uma sociedade que se respeita muito mais do que a nossa. Me fez querer mudar muito nosso país. Mas vivendo nele outra vez vi que essa mudança é bem mais complexa do que eu pensava. Um dos maiores problemas do nosso país é a mentalidade do nosso povo. E quando digo povo não me refiro apenas às classes mais baixas não. Falo de todos. Inclusive de mim. Pensei que Londres era melhor porque as pessoas eram mais honestas. Achava que existiam muito mais más pessoas no Brasil do que lá. Mas isso não é verdade. Aqui na Australia pode-se ter essa mesma impressão por não haver quase roubos. Mas a verdade é que existem más pessoas em todos os lugares. Alguém sempre pode roubar algo que é nosso. Mas o verdadeiro problema do Brasil é que existe uma mentalidade de que tudo está perdido. De que a coisa é tão ruim que não tem mais jeito então temos todos que dançar a mesma dança. Se me roubam tenho que roubar. Se não dividem também não vou dividir. Mas esse é nosso engano. Então uso um texto que ouvi em uma música do show de Ana Carolina e Seu Jorge. É uma introdução à uma música escrita por Tom Zé, mas não tenho certeza se o texto também é dele. Chama-se "Só de Sacanagem".

"Meu coração está aos pulos
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Tudo isso que está aí no ar
Malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro
Do meu dinheiro! Do nosso dinheiro!
Que reservamos duramente
Pra educar os meninos mais pobres que nós
Pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais
Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade
E eu não posso mais...
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz
Mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz
Meu coração tá no escuro
A luz é simples
Regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha vó
e os justos que os precederam
Não roubarás!
Devolva o lápis do coleguinha!
Esse apontador não é seu meu filho!
Pois bem, se mexeram comigo
Com a velha e fiel fé do meu povo sofrido
Então agora eu vou sacanear
Mais honesto ainda eu vou ficar!
Só de sacanagem
Dirão: Deixa de ser bobo,
Desde Cabral que aqui só tem roubo
E eu vou dizer: Não importa!
Será este o meu carnaval
Vou confiar mais e outra vez
Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos
Vamos pagar limpo a quem a gente deve
E receber limpo do nosso freguês
Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau
Dirão: É inútil, todo mundo aqui é corrupto
Desde o primeiro homem que veio de portugal
E eu direi: Não admito, minha esperança é imortal
E eu repito: Ouviram? IMORTAL!!!
Sei que não dá pra mudar o começo
Mas, se a gente quiser,
Vai dar pra mudar o final"

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Diários de Bicicleta - Capítulo 8


(Assim nasceu o Sol do primeiro dia de um jovem-velho de 29 anos)

"How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, 'n' how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, 'n' how many ears must one man have
Before he can hear people cry?
Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes, 'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind."


(Blowin' In The Wind, Bob Dylan)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Diários de Bicicleta - Capítulo 7 - Sonho de Alemão


Onze do onze. Décimo primeiro dia do décimo primeiro mês. Um ,um, um ,um. Dois números primos. Ontem na minha aula, tinha onze alunos (maior turma que já tive). O professor, antes de um exercício, contou a turma e disse: “Onze... número ruim.” Ruim nada! Número mágico. Um daqueles poucos que nenhum outro número divide. Aqui na Austrália descobri que hoje também é conhecido como Remembrance Day. E, numa piada da televisão, um cara disse que quase tinha se esquecido. Muita gente pode achar essa piada sem graça, mas eu gosto. Além de mim, só tenho certeza de uma outra pessoa que também vai gostar. Exatamente a pessoa que me ensinou (com seus genes e nossa convivência) a pensar de uma maneira que faz essa piada ser engraçada. Aprendi a gostar desses jogos de palavras. Esquecer o dia da lembrança. Não apenas ouvir uma palavra, mas entrar no seu significado. Procurar todos os seus significados. Desmontar a palavra em outras (tive que pensar menos de 30 segundos pra criar essa obra prima: “Boa parte das ex quer ser de novo a atual.” Pegou? Ex quer ser/Esquecer). Ou apenas ficar brincando de jogar com os algarismos de um número qualquer que aparece pela frente. Assim como eu fiz com a data de hoje, que, não por acaso, é o aniversário desse que me ensinou, nada mais, nada menos, do que como pensar.

Alemão. Se eu tivesse que definir meu vô em uma palavra seria essa. Palavra que significa uma nacionalidade. Mas que também pode trazer apenas a idéia de alguém com cabelos loiros. Cabelos loiros que já não tenho mais há algum tempo. Mas mesmo assim, dos poucos apelidos que tive na vida, Alemão foi o único que sempre me acompanhou. E que, por mais uma dessas coincidências da vida, é como os brasileiros me chama aqui na Austrália. Só me dei conta de que meu apelido também significava a nacionalidade dos meus antepassados quando fui traduzir meu apelido pra uma guria que conheci aqui. Quer saber de onde ela era? Uma legítima alemã. “How do they call you?” E depois de pensar um pouco respondi: “German.” Só então caiu a ficha. E já caíram duas fichas ao mesmo tempo. Além de nacionalidade e apelido, alemão também é uma língua. Uma língua que apesar de ter sempre vivido ao lado de pessoas que falavam alemão, só fui aprender uns meses antes de vir pra cá. Só aprendi por causa do suporte motivacional e financeiro de quem? Meu vô! Posso não ter aprendido muito, mas logo depois de traduzir meu apelido, soltei um muito natural: “Ich komme aus Brazil.” E no mesmo instante descobri uma tática que me permitiu ganhar toda a simpatia e alguns sorrisos de todas as alemãs que conheci desde então (e olha que não formam poucas, sem contar que também ajuda com as suíças). Agora, voltando ao começo desse parágrafo, além de língua, apelido e nacionalidade, alemão pode ser usado como um adjetivo. Aquele que possui as características tidas como tradicionais da Alemanha. E eu usaria apenas esse adjetivo para descrever meu vô porque foi assim que meu professor me descreveu uns dias atrás. Aquele mesmo professor que reclamou do onze (que só pra não deixar nenhuma coincidência de lado) e que apesar de ser inglês, também fala alemão. Me descreveu assim, mesmo sabendo que sou brasileiro, depois de ler um texto que eu escrevi num exercício de aula. Disse que eu tinha usado meu lado alemão para organizar minhas idéias da maneira mais didática possível. Me enchi de orgulho! Por ver que estava conseguindo fazer outras pessoas perceberem um jeito meu de fazer as coisas. Um jeito meu que aprendi com meu vô. Meu vô alemão.

Esse “jeito alemão de ser” deve parecer perda de tempo para muita gente, mas pra mim não. Essa mania de querer encontrar todos os lados, todas as partes, todas as combinações de qualquer coisa que apareça, exercita o raciocínio. Ajuda a encontrar diferentes perspectivas. Mostra possibilidades que nunca se poderia ver numa análise mais superficial. Permite uma organização incrível através de um metodismo rigoroso. Busca sempre o melhor resultado através do perfeccionismo. E a combinação disso tudo leva ao melhor de tudo que é a manutenção de um foco constante. Isso é o que traduz, pra mim, o adjetivo alemão. Isso que explica o que aprendo com meu vô.

Agora que já expliquei tudo isso, posso finalmente chegar a razão de eu estar escrevendo isso. Hoje é aniversário do meu vô. Uma das pessoas que mais pesou enquanto decidia se viajaria ou não. Agora pago o preço da decisão que tomei. Não posso estar com ele nesse dia e dar um abraço nele. Mas ele também não pode estar comigo e receber meu abraço. E paga junto comigo o preço da mina decisão. Já faz alguns dias que venho pensando no aniversário dele. Mas só hoje, um pouco depois da meia noite (quando começou o aniversário dele aqui), descobri o melhor presente que posso dar pra ele.



Vô!

Queria poder estar contigo pelo menos no dia de hoje, mas estou do outro lado do mundo. Da última vez que nos vimos, eu não sabia se estava dando o rumo certo pra minha vida, mas hoje, acho que consigo entender melhor as coisas que tenho pela frente. E é isso que vou tentar te passar aqui. Pensando um pouco (ou melhor..., muito!) antes de escrever me vieram na cabeça algumas coisas que aprendi com minha família. Assim como expliquei acima o que acho que aprendi contigo, me vieram outras coisas que aprendi com outras pessoas. Se tu me deu o foco para buscar meus objetivos com determinação, acho que minha vó (paterna) me deu aquela lição sobre o valor da vida que falei no texto anterior. Com minha vó materna, aprendi muito sobre humildade e gostar de servir aos outros. Meu vô materno me passou o gosto por fazer as coisas com minhas próprias mãos (já que até a casa dele foi ele quem fez). Minha mãe construiu a base de quem eu sou me dando meu caráter e meu senso de justiça. Mas foi o que meu pai me ensinou que me faz estar escrevendo essa carta e não estar te dando um abraço no dia de hoje. Meu pai, teu filho. A pessoa que eu mais cobrei nessa vida. Sempre fui muito exigente com ele porque eu combino um pouco do teu jeito alemão com a lição que ele me ensinou. Quando eu era criança, sentado no colo dele, ouvi ele me dizer que ia morar do outro lado do mundo (na realidade não tanto quanto eu...) é que por isso nós passaríamos dois anos separados. Tudo isso por uma única razão: ele queria deixar pros filhos dele um mundo melhor do que o que ele recebeu do pai dele. Não que tu tenha deixado algo de ruim pra ele, pelo contrário. Mas apenas porque esse é o melhor objetivo que nosso jeito alemão pode buscar. Tu me ensinou o jeito. Ele me deu a idéia. Agora tenho que conciliar os dois.

Tu deve saber melhor do que eu, que na minha idade, mesmo com todo meu esforço de alemão, eu não tenho como programar tudo que eu vou viver nessa vida. Planejar um roteiro para a vida serve por um tempo, mas com o tempo algumas coisas mudam. Por isso, planos a longo prazo eu não faço com a cabeça, prefiro fazer com o coração. E aqui cabe perfeitamente aquele sonho idealista que ganhei do meu pai. Quero mudar o mundo! Deixar um mundo melhor pros meus filhos. Pronto. Objetivo a longo prazo determinado. O sonho voltou. Agora, eu que volte pro curto prazo. Tenho que planejar. Tenho que sonhar um sonho. Mas sonhando como um alemão.

Sair do Brasil foi difícil porque era tão fácil simplesmente seguir no Direito e poder logo me sentir reconhecido profissionalmente. Senti algumas vezes de ti a vontade de me dizer pra seguir no caminho que eu já estava. Sentia no teu olhar que tu tinha medo de eu estar desperdiçando meu potencial. Se eu seguisse ali, logo teria minha estabilidade financeira e poderia construir uma base para quando tivesse meu filho. Mas eu não fiquei e, mesmo descontente por um lado, tu aceitou mina decisão. Acho que, no fundo, fizemos isso porque sabemos que não era apenas sobre bens materiais que meu pai estava falando quando falava sobre um mundo melhor. E é esse algo mais que eu estou em busca.

O caráter e o sentido de justiça da minha mãe me fizeram seguir em fiel aos meus sonhos. A lição de vida da minha vó me deu energia pra viver mais esse desafio. A humildade e o gosto por servir de minha outra vó me permitem encarar com alegria e satisfação os trabalhos que tenho que fazer pra chegar onde quero. E meu vô me deixa contente de me ver construindo cada tijolo dos meus objetivos com minhas próprias mãos. Assim, apesar de distante, vivo com todos vocês cada dia da minha vida.

Vida que mudou muito. Que não para de mudar. Mas que ta pegando o hábito de mudar pra melhor. A única coisa ruim é uma das melhores. Cada dia tenho mais certeza de que achei o meu lugar. Depois de toda a fase de instabilidade e transição na chegada, as coisas começam realmente a tomar forma. Esses últimos dias então, têm sido especiais. Tudo começou mesmo nesse fim de semana. Saí sábado pra ir numa festa na City, pois não agüentava mais as noites só com brasileiras aqui de Manly. Fui eu, o Tatinha (primo do Élido) e o Juliano (um paulista que agora também mora comigo). A noite tava muito boa e o Juliano comentou sobre a diferença que faz o fato de a gente poder se comunicar em português, inglês e espanhol, além de poder soltar umas frases em italiano, francês, grego, húngaro e começando a sair umas palavras em japonês e chinês, além, é claro, do alemão. Entramos em três bares e falamos com muita gente na rua, especialmente um grupo de seis alemãs. Apesar de termos chegado de manhã em casa, eu e o Juliano fomos pra praia no começo da tarde e “caminhando como quem não quer nada” conhecemos duas suíças, sendo que uma delas estava de aniversário (dá pra chamar isso de coincidência?!!!). Compramos umas cervejas e fomos pra uma prainha com pouca gente aqui perto chamada Shelly Beach. Bom, não vou entrar em detalhes aqui, mas pode ter certeza de que temos umas estórias pra contar. Assim que eu voltei pra casa, tive a confirmação de que eu consegui a vaga no trabalho de um vizinho meu que ta indo pro Brasil e assim vou poder trabalhar fixo com o mesmo chefe de segunda a sexta. Onde, em dois meses, dá pra juntar toda a grana que eu precisaria ter só em março. Além disso, também tinha outros três empregos pro mesmo dia, mas eu não tinha como ir porque já estaria em outro. Assim, consegui trabalho não só pra mim, mas também pra três amigos meus. Fui trabalhar. No caminho, acompanhava no celular o jogo do Grêmio com o Palmeiras. Eu já estava feliz com o empate. Comecei a trabalhar. Uma obra de três andares imunda. Toda bagunçada. Depois de uma hora recebi o meu primeiro elogio. Fui ver o resultado final do jogo. Vitória do nosso time que por sinal, também foi fundado por alemães. Voltei a trabalhar mais motivado ainda. No intervalo, mais um elogio. Coloquei em prático o metodismo, a perfeição e a organização alemã ao ponto de fazer os carpinteiros pararem pra dar risada de tão diferente que estava ficando o lugar. No final do dia mais um parabéns, a garantia de emprego por muito tempo (talvez mais que os dois meses que meu vizinho vai passar no Brasil). Fui pra aula e descobri com o professor que fala alemão que um mestrado por aqui sai menos de 40 mil dólares. Isso se eu ainda não tiver residência que pode dar um desconto de 75%. Então decidi que, na pior das hipóteses, vou pagando um curso de business que é bem barato por aqui, só pra poder ter o visto e trabalhar até juntar essa grana. Dá pra fazer isso em dois ou três anos, que também é o tempo que leva pra sair a residência. Voltei pra casa com isso definido na cabeça. Arrumei minas coisas pra trabalhar no outro dia, mas antes de dormir começou um documentário na televisão sobre os Últimos dias de Yasser Arafat. Independentemente do julgamento que eu possa fazer sobre ele e suas idéias, me interessei por dois pontos abordados no filme. Um sobre o sonho da paz no Oriente Médio. Outro sobre a determinação de Arafat com seus ideais, acreditando no retorno dos palestinos à Terra Santa, mesmo quando já sabia que morreria em breve. Pensando sobre essas coisas, consegui pela primeira vez visualizar uma seqüência para meus planos que junta tudo que eu sempre quis fazer. Um mestrado em História aqui na Austrália pra construir uma boa base que sirva de fundamento para um doutorado na Europa em Relações Internacionais. Sei que ainda são só planos, mas é muito bom poder visualizar uma coisa mais concreta pela frente. Depois de muito tempo, poder dizer que agora tenho um plano. E pra compensar a alta dose de idealismo que esse plano tem, tenho que me esforçar no meu lado alemão. Foco. Determinação. Atitude. Por isso tive que assistir o filme ate tarde. Por isso, abusei do tarde e virei a noite escrevendo isso aqui, mas vou estar no trabalho em ponto amanhã. Tive que fazer isso porque afinal, estou praticando aqui o que quero como minha profissão: expor minhas idéias. Ainda mais escrevendo, que acredito ser minha maior habilidade. E muito dessa confiança que tenho em mim, tenho graças a ti. Teus elogios e tuas críticas a todas as coisas que já escrevi e te mostrei. Porque é só isso que quero: expor minhas idéias. Não quero ser seguindo e idolatrado como Arafat pelo seu povo. Pelo contrário. Não gosto disso. Quero levar minha vida quieto, em paz. Mas mesmo assim, quero mudar o mundo. Sem pressa, com calma. Mas com foco e determinação. E hoje sei que estou no caminho certo porque esse sou eu. Aqui é meu lugar. Cada dia descubro uma coisa nova que me encanta nessa cidade. É tudo do jeito que eu gosto. Continuo amando minha terra e por isso falo que me preocupo com o mundo. Quero que ele seja melhor em todos os lugares porque não sei onde meu filho vai querer morar. E como nessa família tem muito viajante, é bom se prevenir. Cuida de cada cantinho. Fazer o meu trabalho. Do jeito alemão. Dar meu passo. Do meu jeito. Combinando teu passo com o do meu pai, mas também criando o meu. Porque um dia vou ter que ensinar alguma coisa pro meu filho. E é sempre uma nova lição. E assim como Arafat não viu os palestinos de volta Terra Santa, talvez eu não veja o mundo mudado pra melhor. Mas o que importa é eu tentar, porque, assim como vocês talvez tenham me dado a base pra conseguir, talvez eu tenha que deixar a base pro meu filho mudá-lo. Seguindo o teu passo, seguindo o passo do meu pai, seguindo o meu passo e dando o passo dele. Fazendo de todos os nossos passos uma caminhada. Dando sentido a todas nossas vidas. Fazendo nós estarmos sempre vivos, sempre vivendo, mesmo que na vida de outra pessoa. Assim como tu ta agora, aqui comigo. Me ensinando, me orientando, me estimulando. Vivendo junto comigo esse sonho de Alemão.

domingo, 12 de outubro de 2008

Diários de Bicicleta - Capítulo 6



Depois de muitos planos. Depois de muita demora. Depois de tomar uma decisão difícil. Depois de enfrentar todas as dificuldades de uma partida. Depois de correr até a beirada da ponte. Depois de pular, me atirar ao ar e voar. Depois de tudo isso... um mergulho. Mergulho profundo. Entrada em um novo mundo. Nova realidade. Como a diferença entre voar e mergulhar. Ar e água. Aquele mergulho onde você já sabe que conseguiu pular, mas ainda não pode gritar para comemorar. Não pode encher os pulmões com aquele ar renovado depois de tanta adrenalina. Ainda falta subir à superfície. Relaxar o corpo e deixar a água me levar pra cima. Lentamente, tudo vai pro seu lugar. A força do equilíbrio. O salto foi dado. A viagem foi feita. A transição realizada. Agora chega a fase de construção. Aprendizagem e prática. Novas idéias, novas realizações.

A despedida de Porto Alegre foi difícil, como sempre. Desde pequeno sou acostumado com despedidas. Pais separados. Avós, tios e primos morando em outra cidade. Pai e irmãos morando em outro estado, quando não em outro país. Eu indo de lá pra cá. Eu morando sozinho desde cedo. Eu viajando e morando fora. Aeroportos e rodoviárias. Malas e check-ins atrasados. Quantos tchaus... Algumas vezes apenas por poucos dias. Outras vezes por alguns meses ou até anos. Nunca gostei. Sempre quis levar todos comigo para todos os lados. Queria pegar meus contatos do MSN ou minha lista de e-mails e poder trazer cada um pra perto de mim sempre que quisesse. Mas mesmo toda essa tecnologia não me permite uma coisa dessas. Tudo tem um preço. O que se ganha por um lado, se perde por outro. Assim são as coisas. Não que eu aceite isso assim de graça. Sempre brigo contra isso com todas minhas forças. Tento ter tudo ao mesmo tempo. Mas tenho que aceitar certos limites que a vida nos impõe. Assim, paguei o preço. Me despedi mais uma vez. Dessa vez com um peso bem maior. Por ser uma decisão a longo prazo. Mudança de rumo. Mudança pra longe. Que despedida sofrida! Quanto peso não carregava nas costas enquanto caminhava para a sala de embarque. Quanta saudade daqueles rostos que eu acabara de ver. Quanta vontade de voltar e dar mais um abraço em cada um. Conversar só um pouquinho mais. Guardar um pouco mais dessa lembrança. Essa companhia gostosa que só nossa família nos dá. Sentimento de conforto que sei que não terei por muito tempo. Nada substitui. Assim eu fui... Caminhando no sentido contrário ao que o meu coração me mandava. Saindo de perto das pessoas mais importantes da minha vida. Saindo da cidade da minha vida. Deixando meus amigos. Deixando minha casa.

No avião pra Buenos Aires, sentei ao lado de um casal de mais idade. Passei o tempo todo calado, apenas me comunicando com sorrisos. Quase no final do vôo, o senhor me perguntou pra onde eu ia. Expliquei que ia pra Austrália estudar inglês para depois tentar conseguir residência. Ele me ouviu com atenção e comentou sobre uns parentes que moravam fora também e voltei a ficar calado. Eu não tinha convicção nenhuma para convencer aquele senhor de que o que eu estava fazendo era a coisa certa pra mim. Eu só queria ficar passando na minha cabeça a imagem de cada um que eu estava deixando pra trás. Puxando a lembrança do último abraço e do último olhar. Engasgado na garganta um grito que queria dizer foda-se tudo, vou esquecer essa idéia maluca e ficar aqui no meu canto. Mas como não me contento apenas com um canto, segui em busca de uma coisa maior que nem eu sei o que pode ser. Ouvindo uma intuição que não sei de onde vem, fui seguindo meu caminho. Aquele que eu realmente acho que devo seguir e não apenas o caminho mais curto ou fácil de percorrer. Seguindo essa intuição, desisti da idéia de pedir pra descer do avião antes de decolar. E consegui me controlar pra não pedir pra voltar enquanto via Porto Alegre ficando pequena numa linda sexta-feira de sol. Como eu amo essa cidade...
Mas também tenho um carinho especial por nossa América Latina. Nossos vizinhos que falam espanhol. Aqueles que podem nos mostrar como pessoas com histórias tão semelhantes podem ser tão diferentes. Ao mesmo tempo que nos mostram nossa semelhança na identidade latina. Uma realidade diferente, mas em cima da mesma terra. Em volta das mesmas águas. Com muitos problemas em comum, mas com muitas qualidades que não se encontram por aí. Assim cheguei em Buenos Aires. Antes de descer do avião, o senhor que estava do meu lado me olhou com um sorriso estimulante e me desejou boa sorte no meu novo caminho. Esse pequeno gesto conseguiu despertar em mim uma energia enorme, uma grande vontade de seguir em frente e conseguir o que quero, apesar de tudo.

Mochila nas costas e vamo pro mundo!

Do aeroporto peguei um ônibus até o centro de Buenos Aires. Ia ficar no apartamento do meu amigo-irmão Fábio que está trabalhando e morando lá por uns tempos. Ele me explicou como chegar na casa dele de taxi ou de ônibus e metrô. Por qual que eu fui? Pela melhor é claro! Desci do ônibus carregando um mochilão enorme nas costas e outra mochila pequena na frente. Sai caminhando no meio das pessoas que voltavam pro trabalho pra última jornada antes do final de semana. Cheguei num quiosque dentro de uma estação de ônibus com um espanhol cretino, comprei uma coca-cola pra tentar uma informação com mais boa vontade, mas a vendedora não me entendeu direito e um senhor que comia um pastel no balcão me indicou como chegar na estação de metrô. A primeira linha foi tranqüila, mas depois tive que fazer uma conexão e trocar de trem. Passei uns vinte minutos espremido com minhas mochilas no meio de muita gente. Toda vez que o trem partia de uma estação, o peso da mochila me puxava pra trás e eu tinha que me segurar com força pra não derrubar as pessoas atrás de mim. Mas assim eu fui. Desci na estação e caminhei até o prédio. Passei dias de muito conforto, boa companhia e programas diferentes daqueles que qualquer turista faz. Tomamos uma cerveja antes da final do futebol olímpico, onde vi os argentinos comemorar o ouro. Fomos até uma cidade perto e fizemos um passeio de escuna. Jantamos numa churrascaria em Puerto Madero e passeamos no parque depois de comer num café o desjejum de domingo. Arruma a mala de novo. Mais uma despedida. Mais amigos ficando pra trás. Mas um casal especial. Fábio e Adriana. O único exemplo de relacionamento que eu admiro realmente. Conheço os dois desde que eles começaram a namorar e fui padrinho de casamento. Foram as últimas pessoas que vi antes de encarar essa nova jornada. Amigos de verdade. Amigos de tempo. Uma das coisas mais preciosas e mais difíceis de se encontrar. Pessoas capazes de me dar exatamente o que eu precisava. Carinho e confiança. Um sentimento bom vendo duas pessoas que vivem juntas apesar da distância. Palavras de quem me conhece desde os tempos de colégio e que sabem de muita coisa que já vivi. Um olhar profundo dentro do olho dizendo que confiavam em mim e nos meus planos. Amigos de verdade! Assim fui pro aeroporto de taxi (porque gosto de um pouco de luxo também). Liguei pra minha família e fui pro embarque. Fui passando pelos corredores até que apareceu um grupo de aeromoças na minha frente. Fui caminhando atrás delas e passei por uns guichês. Quando olho pra trás, vi que tinha um cara sentado num dos guichês. Voltei e perguntei pra ele: “Eu tenho que passar por aqui? To indo pro avião.” Ele se assustou e disse que sim, mas que achou que eu estava com as aeromoças. Ficamos rindo e conversando, porque nós dois nos perdemos olhando pra elas e quase que eu saio da Argentina sem passar na imigração. Essas aeromoças... Depois da conversa e do carimbo no passaporte, saí do nosso continente ouvindo do meu amigo da imigração a melhor despedida que esses Diários de Bicicleta poderiam ter. Parti para encarar o mundo guardando na memória aquele: “Tchau Che!”.

Todo esse tempo eu estava mais ou menos presente. Eu fazia as coisas, mas minha cabeça estava em transe. Não dava pra se concentrar muito numa idéia porque a cabeça girava. Onde eu estava? O que eu estava deixando? Pra onde eu estava indo? Todas perguntas sem resposta. Mas que não saiam da cabeça. Me deixando como um motorista em uma estrada. Que passa pelos lugares, mas olha pra frente, prestando atenção na estrada. No avião foi muito estranho. Poltronas desconfortáveis. Um casal que de australianos que não se comunicava do meu lado. Sorte que tinha uma poltrona vazia entre eu e eles onde eu podia pendurar uma perna quando cansava da mesma posição. Passei muito tempo no Brasil pensando nessa viagem. Passar por cima do Pacífico inteiro. Aquela desgraça do seriado Lost na minha cabeça (onde um vôo da Austrália cai numa ilha) me fazendo pensar que, na vida real, acho que o seriado acabava na queda do avião com a morte de todos. A Aerolineas quase falida me colocou um papel escrito “Em Manutenção” na saída de emergência que ficava do meu lado e nas decolagens e aterrissagens a porta fazia muito barulho. Um grupo de brasileiros ocupava as últimas fileiras do avião, mas eu preferi ficar na minha, sem me comunicar. Aquele momento era meu e eu queria aproveitar ele ao máximo. Assim cruzei um oceano. Passei mais da metade de um dia dentro de um avião. Não vivi o dia 25 de agosto de 2008 (por causa do fuso horário). E cheguei em Sydney as oito da manhã do dia 26 de agosto. Preenchi uns papéis e entrei na fila pra imigração. Aqui eles têm um sistema de quarentena onde não pode entrar no país com sementes, comidas, derivados de madeira, e várias outras coisas que não me lembro. Tem que colocar tudo fora. Depois de enfrentar uma longa fila pra apresentar o passaporte, quando chegou minha vez, veio um funcionário de longe fazendo sinal pra parar tudo. Me pediu pra dar uns passos pra trás porque viria um policial com um cachorro. Já pensei que iam me prender antes mesmo de eu chegar. Mas então ele pediu pra toda a fila ir pra trás pra passarem com o cachorro. Depois de levar uma cheirada do cão-policial, apresentei meu passaporte, peguei minha mala e fui desfilar em Sydney com a camiseta do Imortal Tricolor. Apresentar pra eles o líder do Campeonato Brasileiro.

Ainda no aeroporto troquei um pouco do meu dinheiro e fui descobrir como ir pro centro da cidade procurar um albergue. Comprei um passe de trem e fui pra estação de Kings Cross. Caminhei meia quadra e achei o albergue que eu tinha escolhido pela internet. Mas logo na frente já vi um letreiro que dizia que não tinham vagas. Caminhei mais pela rua, onde tinha vários albergues. Escolhi um numa rua do lado, tomei um banho e deixei minhas coisas. Saí pra conhecer a cidade. Caminhei até um parque que fica na beira do mar, na baía de Sydney (com águas calmas como se fosse um lago, mas na verdade é o mar que entra pela cidade). Caminhei por um calçadão onde muitas pessoas corriam e faziam ginástica em plena tarde de terça-feira. Me deitei na grama quando achei um bom ponto pra ficar observando o Opera House e a Harbour Bridge. Uma incrível combinação da organização européia com o sol brasileiro e de belezas naturais com construções impressionantes. Cidade grande com clima de férias na praia. Tecnologia com saúde. Que cidade!

Passei a tarde caminhando e depois de desistir de ir a pé (o que descobri depois que levaria uns dois dias), peguei um ônibus até Manly, que é um bairro que fica no norte da cidade. Encontrei o Tatinha, primo do Élido, outro amigo-irmão que eu tenho. Passei um tempo com ele no albergue que ele estava. Conheci o pessoal do quarto dele. O Marcelo (Jegue), brasileiro de Porto Alegre, que eu já conhecia da PUC e o Christopher, um australiano que trabalha como mecânico. Decidi que ia ficar com eles no quarto que tinha mais uma vaga. Voltei pro meu albergue no centro da cidade, encontrei o casal de alemães que estavam no meu quarto, mas estava tão cansado que dei um oi e fui dormir. Acordei no outro dia e me mudei pro albergue de Manly.

Passei um mês morando nesse albergue. Não aproveitei muito do que ele tinha pra lazer porque tava sempre correndo, cheio de coisas pra resolver, mas todo dia tinha uma função diferente. Tinha dia do churrasco, dia do vinho com queijo, dia da comida mexicana, dia do filme, dia do campeonato de sinuca, cada dia tinha uma desculpa pra se fazer uma festa e juntar todo mundo no pátio do albergue bebendo, comendo e conversando. Mas quase (confesso que foi quase) todo tempo eu me concentrei nas coisas que tinha que fazer pra me ajeitar por aqui. Tive que conseguir emprego pra começar a entrar dinheiro antes que acabasse o pouco que eu tinha. Ao mesmo tempo tinha que me dedicar muito em encontrar um lugar pra morar, porque no albergue tinha muita bagunça e era difícil de guardar comidas mais baratas de supermercado pra fazer lá mesmo porque tinha muita gente e a cozinha era um caos. Já fiquei em muito lugar pior, mas pra se sentir em casa não dava. Trabalhei meu primeiro dia como ajudante de jardineiro, quem me conseguiu o trabalho foi o meu amigo André (que conheci no Brasil através do Fábio) que tá morando aqui também. Mas tinha que atravessar a cidade pra trabalhar de manhã cedo. Nem se eu pegasse o primeiro ônibus eu chegava em tempo. Então comecei a trabalhar em obra. O Tatinha me indicou pra um Bricklayer (que é quem é responsável por levantar as paredes de uma obra). Fiz muito cimento e carreguei uma infinidade de tijolos. Oito horas numa correria frenética. “Mais cimento! Agora mais tijolo! Ainda tá no tijolo? Já acabou o cimento!” E assim vai... Conheci gente que trabalha faz mais de dois anos em várias obras daqui e diz que esse chefe que eu peguei no meu segundo dia de trabalho é disparado o serviço mais pesado que eles já fizeram. Meu chefe que se chama Troy, é mais conhecido pelo apelido de Destroy. Na metade da primeira manhã, todos os músculos do meu braço pulsavam sozinhos sem parar. Meu chefe disse que era normal e que era só tomar magnésio que ajudava. Mas como a opção de desistir não estava na minha lista, segui em frente e sem eu nem notar, os músculos pararam de se mexer. A dor foi sumindo aos poucos. O dia foi passando. E depois de dois dias de trabalho, meu pagamento me fez entender que aquilo tudo valia a pena. E assim fui trabalhando. Dois ou três dias por semana que já me pagavam as contas de toda semana. Faltava achar meu lugar pra morar.

Começaram as aulas. Tenho que pegar uma balsa e atravessar a cidade duas vezes todo dia, mas aproveito muito o visual. Semana passada enquanto eu atravessava a baía, uma baleia batia a calda na água levantando água bem na saída pro mar aberto. Um barco de observação de baleias estava bem perto dela, enquanto eu, de longe, ia do trabalho pra escola. Na volta pra casa, quase sempre vem junto um bando de Sea-Eagles (que acho que é um tipo de gaivota) voando em volta da balsa. Dos seis níveis que tem o curso eu entrei no quarto. Sentei na sala e a turma fazia um teste sobre a matéria da semana passada. Terminei o teste de quatro páginas enquanto a turma estava na metade da primeira página. O professor pegou pra corrigir e no final me pediu pra acompanhar ele porque eu tinha que ficar num nível acima. Então passei pro quinto nível. Meu atual professor me indicou pra passar pro último nível, mas preferi continuar nesse porque no último só se tem conversação, mas no que eu estou ainda se aprende gramática (que é o meu ponto fraco). Minha turma tem um professor nas segundas e terças e outro nos outros dias. Os dois são bem engraçados e não negam um convite pra transferir a aula pra um pub. Vários colombianos, peruanos, filipinos, koreanos, indonesianos, pessoas que vieram de Laos (não sei como se chamam)e claro, brasileiros (apesar de que na minha aula só tinha um que já saiu da escola, mas que ficou meu amigo porque voltávamos juntos até Manly). As aulas são muito engraçadas, onde eu aprendo um pouco de inglês e muito sobre diferentes culturas. Essa troca de experiências é incrível. Pessoas muito diferentes de nós, com mentalidades muito diferentes. Mas me dou bem com todos. Todos sempre querem colar de mim e fazer os trabalhos comigo porque dizem que eu sei muito, apesar de eu achar que tem alguns que sabem bem mais do que eu. Em homenagem ao meu atacante Perea, minhas relações com a Colômbia estão se intensificando cada vez mais, uma vez que a mulher latina ainda me encanta de uma maneira especial e as colombianas parecem superar a qualidade brasileira na minha escola (para minha grata surpresa).

Mas ainda faltava um lugar pra chamar de lar. Passei todo esse mês no albergue pesquisando. Queria encontrar um lugar especial. Escolhi primeiro entre as três opções de áreas pra se morar. Bondi, praia do sul, mais urbanizada e se pode usar metrô pra ir até o centro. O centro, que chamam de City, onde fica minha escola, tem aquele parque e vários pontos turísticos e onde ficam os prédios altos da cidade. Ou Manly, praia do norte, mais ritmo de cidade pequena e não tem metrô pra ir pro centro, tem que ser ônibus ou balsa (que aqui eles chamam de Ferry). Escolhi Manly porque no norte é onde tem mais emprego de pedreiro (que é o trabalho que melhor paga por aqui) e pagam mais do que pros pedreiros da City ou de Bondi. O Tatinha que tava me conseguindo os contatos de trabalho também morava em Manly e me ajudou e ainda me ajuda muito por aqui. Depois de decidir por Manly, sentei um dia na praia e fiquei olhando a paisagem, tentando imaginar qual seria o lugar que eu mais gostaria de morar. Me chamou a atenção um morro que fica no canto norte da praia. Descobri que se chamava Queenscliff e passei a prestar mais atenção nos anúncios de casas por lá. Encontrei um apartamento e uma casa. Fui ver o apartamento primeiro. Cento e vinte dólares por semana dividindo quarto, tinha uma sacadinha de frente pro prédio do lado, mas com umas árvores bonitas na frente. Só achei meio bagunçada demais e meio longe do píer que se pega Ferry pra City. Como tive que esperar meia hora pra ir ver a casa, fiquei caminhando pelas ruas desse morro. Cheio de casas bonitas. Um clima muito de praia. Descobri uma rua de onde desciam umas escadas até uma prainha pequena que fica do lado norte do morro chamada Freshwater. Tem uma pracinha toda ajeitada com bancos pra se sentar e apreciar uma vista incrível dessa praia. Caminhei um pouco mais e encontrei uma rua sem saída que tinha no final um mirante com uma vista que vai muito longe pra dentro do mar. Na direção da minha terra natal. Já estava quase na hora de ver a casa e fui voltando. Meia quadra depois desse mirante, passei por um prédio com umas sacadas que tinham uma vista incrível pras praias de Queenscliff (que fica em baixo do lado sul do morro com o mesmo nome), Manly (que é a principal praia do norte de Sydney, onde tem a maior concentração de pessoas na praia e onde ficam algumas das festas que as pessoas mais vão por aqui) e Shelly Beach (que fica no canto sul de Manly e é uma prainha pequena com lugar pra fazer churrasco, mas que eu ainda não conheci, apesar de ter ouvido falar que é uma das mais bonitas daqui). Numa dessas sacadas vi umas pessoas conversando em português e pensei que deviam estar a muito tempo aqui em Sydney pra terem conseguido chegar num lugar tão bom. A melhor vista que eu já tinha visto aqui e ainda não muito longe da parte principal de Manly. Podendo ir pra praia de Freshwater ou de Queenscliff e Manly (que ficam juntas) em dois minutos de caminhada morro abaixo. Fiquei impressionado, mas fui ver a casa. Gostei muito da casa. Cento e sessenta por um quarto só pra mim. A casa tinha muita gente morando, mas tinha uma sacada com uma vista bacana pra um parque onde dava pra ver o pôr do sol. Confirmei tudo com o cara que tava saindo da casa e fiquei de me mudar em dois dias. Mas no outro dia o cara me ligou dizendo que não ia mais dar pra eu ir pra lá porque o dono da casa não queria devolver o depósito dele e tinha começado toda uma confusão. Descobri umas histórias ruins sobre a casa e tive que acabar desistindo dela. Mas não desisti de Queenscliff. Encontrei mais alguns anúncios de lugares por lá, mas sempre que eu ligava, ou não atendiam, ou já tinham ocupado. Até que consegui três lugares ainda vagos. Marquei nos três. Vi um mais ou menos, mas bem barato. Outro começou com desculpas pra eu ver depois e então fui pro último. Tinha deixado esse por último porque achava que tinha jeito de ser o melhor deles. Pelo número do prédio parecia ficar perto da beira do morro e podia ter uma vista legal. Quando cheguei no prédio, descobri que era aquele com sacadas que eu tinha visto. Falei com o pessoal do apartamento e fiquei de me mudar no outro dia, pra não dar chance pro azar. Tive que gastar toda grana que eu tinha com o depósito, mas o aluguel é bem barato, cento e vinte por semana. Divido quarto com um paulista e no outro quarto moram um baiano e um colombiano (sempre essa Colômbia...). To me dando muito bem com todos. Descobri que no resto do prédio só moram brasileiros (o que não é bom pra treinar o inglês, mas ajuda a descobrir umas barbadas que só os brasileiros sabem). No apartamento da frente moram sete gurias, no de baixo tem quatro caras sendo que três são gaúchos. A galera do prédio ta sempre fazendo coisas junto. Saindo pra noite, indo pra praia, fazendo churrascos, ou jogando um ping-pong e ouvindo um som numa garagem que fizeram da área de lazer.



(vista da sacada do meu apartamento)

Depois de encontrar minha casa, resolvi ajeitar meus meios de comunicação. Tava querendo pegar um celular que tem aqui que se pode usar Skype. Assim poderia me comunicar com qualquer pessoa, mesmo do Brasil, de graça, em qualquer horário e em qualquer lugar. Mas pra isso precisava ou pagar caro pelo aparelho, ou fazer um plano de dois anos. Fui fazer o plano, mas pediam que eu apresentasse meu passaporte com visto de pelo menos dois anos. Tentei em todas as operadoras, mas todas pediam o visto. Então usei minhas habilidades de brasileiro para resolver problemas impossíveis de resolver. Na verdade eu só poderia fazer o plano depois de renovar meu visto para dois anos, o que eu vou fazer só em fevereiro. Mas descobri que eles pediam o passaporte como forma de identificação apenas e que não aceitavam outros documentos brasileiros. Ao mesmo tempo juntei com a informação de que existe uma carteira de identidade australiana que estrangeiros podem fazer aqui e usar no lugar do passaporte. Nessa carteira não diz até quando vai meu visto. Então fiz a carteira e usei ela pra fazer o plano de celular. Consegui o aparelho que queria de graça. Além disso economizei a grana que eu ia gastar pra comprar duas coisas que eu tava querendo, que eram uma máquina fotográfica boa e um MP3, pois o celular já vem com os dois. Tem que ver o que é o aparelho, todo com touch screen, internet (onde eu vejo o resultado dos jogos do Grêmio no intervalo do trabalho), televisão, câmera de 5 megapixels com filmadora, fora um monte de outras funções que eu nem sei usar. Além disso contratei também uma internet móvel pro meu laptop, porque assim posso usar ele em qualquer lugar (o que é uma coisa comum aqui). Nos parques, nos bares, nas ruas, no ônibus, no Ferry, em todo lugar pode-se usar um laptop com toda a tranqüilidade do mundo.

Nessa história de mudança de casa e ajeitando os meios de comunicação, acabei perdendo duas semanas de trabalho e meu dinheiro acabou de vez. Tive que voltar o foco pro trabalho e nessa última semana bati todos meus recordes. Trabalhei quatro dias seguidos, de quarta a sábado. Ao mesmo tempo consegui ir pra aula e fazer minhas coisas do dia a dia, como fazer minhas comidas, lavar roupa, e resolver algumas pequenas pendências. Rotina louca. Acordar as cinco da manhã pra pegar o ônibus as cinco e meia, chegar no trabalho as sete, sair as três e meia chegar em casa quatro e meia, tomar banho, comer e ir pra aula as cinco e meia chegar na aula as sete (sendo que ela começou as quatro e meia), sair da aula oito e meia, chegar em casa as dez, comer, conversar com o pessoal da casa e arrumar as coisas pra dormir perto da uma e acordar as cinco. Até chegar o final de semana. Essa rotina vai continuar semana que vem, mas depois to tentando conseguir um trabalho mais perto. Por enquanto, esse tá valendo, porque não é tão puxado e paga bem. O único problema é que fica longe e eu perco muito tempo indo até lá. Estou trabalhando na construção de uma casa enorme que fica na beira de um morro numa praia mais ao norte, chamada Bilgola. Eu fico no meio de um monte de concreto e aço, mas tenho uma vista paradisíaca. Enquanto corto barras de aço, quebro concreto do chão, furo parede de concreto, cavo valas num terreno inclinado, carrego pilhas de material pesado, vou ouvindo o barulho das ondas e de crianças brincando na praia. O inferno e o céu no mesmo lugar. Mas tenho que confessar que até o inferno está me agradando por aqui. O esforço é puxado, mas a recompensa é imediata.



(vista da obra em que eu trabalho)

E assim eu chego de novo no começo desse texto. Falando sobre o preço que se tem que pagar para se ter o que se quer. Uma lição que eu realmente aprendi enquanto morava em Londres. Quando pela primeira vez tive que correr sozinho atrás dos meus objetivos. Quando pela primeira vez paguei com meu suor pelas coisas que queria fazer. Essa lição eu aprendi por lá. Mas só agora consegui entender que consegui fazer tudo que fiz em Londres levado por uma força muito grande. Uma vontade de atingir meus objetivos que nunca tinha tido antes. Vontade maior até de lutar pra conseguir o que quero, do que somente conseguir o que quero. Vontade de viver intensamente cada segundo da minha vida. Viver eles plenamente, sem acomodação. E só consegui entender de onde vem essa energia agora. Lembrando da maior lição que já tive na vida. Lembrando de quando eu perdi pela primeira vez uma pessoa muito próxima, que fazia parte da minha vida de uma forma muito intensa. Um pouco antes de ir pra Londres eu perdi minha vó paterna. Me lembro que ela dizia que queria que eu fosse morar um tempo na Europa e seis meses depois da morte dela eu estava indo morar em Londres. Na época nem associei uma coisa à outra. Mas a morte dela teve um significado especial pra mim.

Quando eu era criança, tive uma fase em que me preocupava muito com a morte. Numa conversa com minha vó, disse pra ela que como provavelmente ela morreria antes de mim, queria que – se existisse alguma forma possível – ela voltasse pra se comunicar comigo e me contar como era depois de morrer. Queria saber como era a vida depois da morte. Quando ela estava no hospital, fiz uma visita pra ela que só depois eu saberia que seria a última vez que veria ela. Nessa vez, ela tinha recém melhorado de uma cirurgia delicada e eu falava com ela pela primeira vez depois da cirurgia. Realmente não sei o que me veio à cabeça, mas conversei com ela de um jeito que nunca tinha feito antes. Resolvi colocar pra fora uma idéia louca que veio na minha cabeça e disse que eu estava surpreso com ela porque eu sempre tinha visto ela como uma pessoa fraca (pois desde que eu conheci ela, ela já tinha problemas de saúde) e tinha dificuldades pra fazer muitas coisas. Mas que eu tinha ficado orgulhoso dela porque ela tinha decidido fazer a cirurgia mesmo sabendo do alto risco e do medo que ela tinha de não conseguir agüentar. Eu tinha medo de que ela não gostasse do que eu disse, mas depois que disse, ela me olhou com um imenso sorriso e disse que existia muita coisa sobre ela que eu não sabia. Não sei exatamente sobre o quê ela estava falando, mas entendi exatamente o que ela quis dizer. Essa foi pra mim a experiência mais mágica que eu já tive na vida. Com poucas frases, mas com um sorriso e um olhar profundo, conheci mais sobre a minha vó do que em todos os vinte e um anos que vivi ao lado dela. Na noite em que voltei do velório dela, dormi na casa do meu vô, junto com meu pai. Tivemos uma conversa sobre a vida que, pra mim, foi a melhor conversa que já tive com meu pai. Ambos com uma profunda consciência do valor que cada pequeno momento tem na vida. Especialmente eu e ele, que sempre moramos separados. Conversamos sobre a importância de se viver intensamente e da melhor forma possível, cada instante. Um tempo depois, estava em casa sozinho, lendo um livro do Paulo Coelho que era da minha vó. Diário de um Mago. Nesse livro, ele percorre o caminho de Santiago de Compostela junto com um guia que lhe ensina vários exercícios de auto-conhecimento. Num deles você tem que visualizar o seu próprio velório, com as pessoas chegando perto do seu caixão e olhando pra você, sem você poder fazer nada que não seja olhar e ouvir. Senti uma agonia terrível, com uma sensação de fracasso, pois via minha família e amigos olhando pra mim e conversando sobre as coisas que eu queria fazer e não tinha feito. Sobre os planos que sonhei em realizar mas não tive tempo. Queria uma chance a mais para explicar pra todos que apesar de eu não ter feito as coisas que eu sonhei, eu estava caminhando em direção delas. Tentando chegar lá da melhor maneira que eu conseguia. Mas a vontade de explicar essas coisas e não poder me deixava com um sentimento horrível. Assim que abri os olhos e terminei com o exercício, com a visão um pouco embaçada, achei ter visto o rosto de minha vó no travesseiro do meu lado. Sei que era apenas a sobra da fronha do travesseiro, mas minha cabeça me fez ver o rosto de minha vó. Alí vi que ela estava cumprindo com o trato que tínhamos feito. Ela apareceu pra mim pra me ensinar que talvez não exista nada do lado de lá e que o que importa é o lado de cá. O importante é viver cada segundo intensamente. Correr atrás dos seus sonhos com toda força possível. Acreditar em cada idéia maluca que venha a cabeça. Pagando o preço que tiver que pagar.

Toda essa lição foi muito viva comigo até Londres. Quando voltei pro Brasil, ainda sabia do valor de pagar minhas coisas com o meu suor. Mas a intensidade de cada momento parece se ofuscar aos poucos quando vivemos numa vida de rotina mais estável. A minha cidade, a minha família e a minha casa parecem me oferecer uma proteção tão grande que fazem com que eu não dê o máximo de mim a todo instante. Uma acomodação que faz com que eu deixe muita coisa passar desapercebida. Essa situação fez com que eu não estivesse plenamente presente em muitos momentos. Ainda não sei muito bem por quê. Mas o que importa é que agora consigo. Agora me sinto andando, mesmo sem saber bem pra onde. Tenho alguns planos que me parecem bem mais próximos do que antes. Acredito mais em mim e na minha capacidade de chegar onde quero. Antes achava que o problema era com os outros ou com o lugar em que eu estava. Agora entendo que era eu que não estava no meu lugar. Não estava caminhando meu caminho. Estava com medo de pular da ponte e mergulhar no meu destino. Agora aqui estou. Depois de correr. Depois de voar. Depois de mergulhar. Boiando na superfície. Aproveitando cada instante do prazer de estar superando o desafio. Chegando do outro lado do rio e me estabelecendo. Criando mais uma base. Mais um pilar. Mais uma etapa pra chegar nos meus sonhos. Atravessei o mundo porque no meu velório não vão falar do que não fiz, mas de todas as coisas que realizei.


sábado, 11 de outubro de 2008

Diários de Bicicleta - Capítulo 5


I've Found My Home Away From Home
(Vista da sacada do meu apartamento - Praias de Queenscliff, Manly e Shelly Beach de baixo pra cima)

Clique na foto para ver em tamanho maior.

domingo, 24 de agosto de 2008

Diários de Bicicleta - Capítulo 4


Finalmente a viagem começou.
Finalmente cheguei ao fim da ponte a me atirei ao ar.
Finalmente estou voando.
Logo vou começar a atualizar meus textos aqui com as coisas que estou fazendo, mas prefiro começar com uma lembrança do passado que, apesar do passar do tempo, respresenta muito do que sinto agora. A última pessoa de quem me despedi (fora meus parentes que foram ao aeroporto) foi a primeira pessoa que me mandou um e-mail de saudades (acompanhada apenas da minha mãe) e a que mais me inspira nesses tempos de mudança. Já tentei expressar o que sinto por ela de várias maneiras, muitos "te amo" não foram suficientes. E mesmo sem estar satisfeito, gosto de lembrar de uma música que escrevi pensando nela. Nem sei se é bem uma música, mas o significado da letra ajuda bastante a explicar meus sentimentos. Então segue aqui, minhas palavras escritas em 2002, mas que permanecem atuais, agora em 2008.

"Um dia você aprende
O que é alguém especial
Um dia você encontra
Uma pessoa que é igual

Que é igual a você mesmo
De um jeito diferente
Cada um tem o seu corpo
Mas parece ser a mesma mente

A distância pode ser grande
A física não existe mais pra nós
Pois quando eu fecho os olhos
Eu sinto a sua presença, eu ouço a sua voz

A Lua é nosso telefone
Eu vejo o seu rosto e você vê o meu
O espaço é a nossa casa
E cada estrela ainda será um sorriso seu"

Tickets