sexta-feira, 8 de maio de 2009

Diários de Bicicleta - Capítulo 9


Quando saí do Brasil, tinha uma ponta de incerteza que me fazia não saber exatamente o que eu estava fazendo. Algumas pessoas chegaram pra mim e disseram pra eu pensar se eu não estava fugindo de nada. Indo morar longe para evitar ter que enfrentar as dificuldades que a vida adulta de um jovem recém formado apresenta. Assumir responsabilidade por sua própria vida, por seu sustento, encaminhar uma profissão, coisas assim. Eu só sabia que o que eu queria era encontrar alguma coisa que havia ficado perdida no meu passado. Um sentimento de plenitude que já por algum tempo havia desaparecido. Minhas últimas lembranças de momentos vividos com esse sentimento eram do tempo que vivi em Londres. Mas não sabia ai certo se isso vinha pelo fato de que de certa forma eu estava num mundo distante e diferente, vivendo uma situação provisória e sem muitas responsabilidades a longo prazo. Ou apenas pelo fato de poder me sustentar sem precisar sempre da ajuda da minha família. Vim para a Austrália com essa dúvida na cabeça. Posso mudar de cenário, mas as responsabilidades que terei que assumir continuarão a me esperar. Será que não estou apenas adiando o inevitável? Fugindo do meu destino? Aos poucos, vou me dando conta de que aquele sentimento de plenitude voltou a fazer parte de mim. Uma sensação de estar no caminho certo. Estando onde deveria estar e fazendo o que deveria fazer. E agora, depois de um pouco mais de tempo, vejo que não existia fuga nenhuma nessa história. Muito pelo contrário. Os desafios da responsabilidade pela vida, sustento e profissão não foram deixados de lado. Afinal, comecei assumindo uma grande responsabilidade com a decisão de viajar. Logo depois consegui garantir meu próprio sustento. Mas tudo isso eu já imaginava que seria possível e não muito difícil de conseguir. O problema é a profissão. De quê me serve essa experiência toda como garçom, lavador de pratos, colhedor de morangos, jardineiro, pedreiro e agora, instalador de ar-condicionados? Será isso que quero pra minha vida? Claro que não. Quem me conhece um pouco sabe como sou uma pessoa cheia de planos e sonhos. Não sei se já conheci alguêm tão idealista como eu. Sempre atrás do mundo ideal. O sonho do mundo perfeito, ou pelo menos um mundo bem melhor. Fora alguns pequenos desejos pessoais, só tenho dois grandes sonhos: uma família e um mundo melhor. Sendo que tenho essa busca por um mundo melhor como minha profissão, meu dever nessa vida. Nos meus últimos tempos no Brasil, acredito que eu me preocupei mais em lutar para encontrar uma família e deixar o destino me levar a fazer as coisas para melhorar o mundo. Mas depois de algum tempo, percebo que as táticas estavam invertidas. Devo lutar para fazer as coisas para melhorar o mundo e deixar o destino me levar a encontrar minha família. Na questão da família estou bem tranquílo. Vendo entre meus melhores amigos um casamento bem sucedido como nunca vi entre a geração que nos antecedeu (Fabio e Adriana) e uma família que me faz querer morar denovo em Porto Alegre pra criar meu filho (Élido, Carol e Pedro). Assim mantenho minha fé em relacionamentos saudáveis e na possibilidade de compartilhar o dia-a-dia com alguém especial. Mas sigo aproveitando meu momento sozinho. Minha vida de solteiro. Que pode acabar em dias ou em anos e por isso tem que ser bem vivida. Não posso reclamar de nada. Minha realidade e meus sonhos me satisfazem profundamente. Mas e a minha profissão? E aquela idéia toda de mudar o mundo? Tenho que correr atrás. Já pensei em mil e uma formas de revolução. Outras tantas teorias para que as coisas sejam diferentes. Mas sempre com um sentimento de poder fazer mais. Querer agir. Correr. Lutar. Fazer acontecer. Só que justamente quando tento, é que mais vejo que isso não é uma coisa assim impositiva. Não posso e nem nunca vou poder mudar o mundo à força. Nunca vou ter uma idéia mágica que me permita entender e fazer os outros entender uma maneira de fazer com que tudo melhore de uma hora para outra. Apesar de ser esse meu desejo. Sei que as coisas terão que mudar aos poucos, pois é assim que o mundo gira. Devagar. Mas constantemente. Por isso, apesar da demora, não desisto e nem mudo de idéia. Sigo no mesmo caminho no ritmo que o mundo impõe. Seguindo a ordem natural das coisas. Passo a passo. Geração a geração. Mas sem esquecer de sempre acrescentar alguma coisa. Por isso, enquanto não sigo meus estudos para poder seguir pensando e criando novas idéias, levo minha vida de instalador de ar-condicionados. Que me permite o presente. Que não é o meu futuro. Mas que serve de base para este. Me resolve a questão financeira do momento. Me permite guardar para os passos futuros. Além de me dar a possibilidade de usar esse tempo com coisas que não poderia em outras atividades. Como passar o dia com fones de ouvido ouvindo música. Mas o que parece lazer para alguns, pode ser utilizado como trabalho por outros. Enquanto uns apenas se distraem com a música, outros usam a música como inspiração. Aquele tempo em Londres me deixou decepcionado com o Brasil por ver uma sociedade que se respeita muito mais do que a nossa. Me fez querer mudar muito nosso país. Mas vivendo nele outra vez vi que essa mudança é bem mais complexa do que eu pensava. Um dos maiores problemas do nosso país é a mentalidade do nosso povo. E quando digo povo não me refiro apenas às classes mais baixas não. Falo de todos. Inclusive de mim. Pensei que Londres era melhor porque as pessoas eram mais honestas. Achava que existiam muito mais más pessoas no Brasil do que lá. Mas isso não é verdade. Aqui na Australia pode-se ter essa mesma impressão por não haver quase roubos. Mas a verdade é que existem más pessoas em todos os lugares. Alguém sempre pode roubar algo que é nosso. Mas o verdadeiro problema do Brasil é que existe uma mentalidade de que tudo está perdido. De que a coisa é tão ruim que não tem mais jeito então temos todos que dançar a mesma dança. Se me roubam tenho que roubar. Se não dividem também não vou dividir. Mas esse é nosso engano. Então uso um texto que ouvi em uma música do show de Ana Carolina e Seu Jorge. É uma introdução à uma música escrita por Tom Zé, mas não tenho certeza se o texto também é dele. Chama-se "Só de Sacanagem".

"Meu coração está aos pulos
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Tudo isso que está aí no ar
Malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro
Do meu dinheiro! Do nosso dinheiro!
Que reservamos duramente
Pra educar os meninos mais pobres que nós
Pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais
Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade
E eu não posso mais...
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz
Mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz
Meu coração tá no escuro
A luz é simples
Regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha vó
e os justos que os precederam
Não roubarás!
Devolva o lápis do coleguinha!
Esse apontador não é seu meu filho!
Pois bem, se mexeram comigo
Com a velha e fiel fé do meu povo sofrido
Então agora eu vou sacanear
Mais honesto ainda eu vou ficar!
Só de sacanagem
Dirão: Deixa de ser bobo,
Desde Cabral que aqui só tem roubo
E eu vou dizer: Não importa!
Será este o meu carnaval
Vou confiar mais e outra vez
Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos
Vamos pagar limpo a quem a gente deve
E receber limpo do nosso freguês
Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau
Dirão: É inútil, todo mundo aqui é corrupto
Desde o primeiro homem que veio de portugal
E eu direi: Não admito, minha esperança é imortal
E eu repito: Ouviram? IMORTAL!!!
Sei que não dá pra mudar o começo
Mas, se a gente quiser,
Vai dar pra mudar o final"

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