terça-feira, 11 de agosto de 2009

Diários de Bicicleta - Conclusão


Agora está tudo certo. Passagem mudada. Volto daqui a 4 dias. Vou ter um dia pra me despedir de Canberra e outro pra me despedir de Sydney. Tá bom... Aprendi que não é bom ter muito tempo pra se despedir de um lugar. É mais sofrido. Tendo pouco tempo eu nem me preocupo em fazer muita coisa que ainda não fiz. Procuro só aproveitar as coisas que mais gostei.
Vão ser dias intensos. Como foram esses últimos, aqui e no Brasil. Não tenho mais ligação com nenhum fuso horário. Durmo um pouco de dia, um pouco à noite. Mais um pouco dessas fases de transição. Esse turbilhão que nos tira o chão e parece que tudo está rodando. Decidir que caminho dar pra vida no meio dessa confusão, não é fácil. Mas confesso que já estou ficando acostumado.
As idéias se misturam. Com tanta mudança, não sabemos direito nem onde estamos. Nessas horas é bom ter alguém pra conversar. Um acompanhamento psicológico ajudaria qualquer um. Pois se chega à beira da loucura. Dar um rumo pra vida é muito foda! Exige muito de vários aspectos da gente. Temos que ser maduros e responsáveis, pois é nosso destino que está em jogo. Temos que ser persistentes e sonhadores, pois é nossa vida que está em jogo. E no meio de tudo isso, encontrei muita ajuda em mim mesmo. Escrevendo e lendo o que escrevi, encontrei nesse blog meu maior psicólogo. Lendo meus textos anteriores, entendi toda a seqüência das minhas mudanças. Pode ser que seja apenas uma forma de eu justificar as minhas atitudes. Mas devo ser muito bom nisso, porque hoje vejo lógica em cada passo dado. Uma seqüência de etapas vividas e vencidas que seguem um rumo comum. E essa seqüência lógica pode ser apenas desculpa minha, mas pode ser apenas eu.
Resumo minha idéia de partida adaptando um texto de Michel Serres que citei quando essa viagem começou.
"Ao atravessar o rio e entregar-se completamente nu ao domínio da margem à frente, ele acaba de aprender uma coisa mestiça. O outro lado, os novos costumes, uma língua estrangeira, é claro. Mas, acima disso, acaba de aprender a aprendizagem.
Universal significa: aquilo que, embora sendo único, verte em todos os sentidos.O infinito entra no corpo de quem, por muito tempo, atravessa um rio perigoso e largo.
Então, o solitário, vagando sem pertencer a nada, tudo pode receber e integrar: todos os sentidos se equivalem.
De fato, nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem convidá-lo a deixar o ninho. Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permanece aderente à margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa e à aldeia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos. Quem não se mexe nada aprende. Sim, parte, divide-te em partes. Teus semelhantes talvez te condenem como um irmão desgarrado. Eras único e referenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes incoerente como o universo que, no início, explodiu, diz-se, com enorme estrondo. Parte, e tudo então começa, pelo menos a tua explosão em mundos à parte. Tudo começa por este nada. Nenhum aprendizado dispensa a viagem. Sob a orientação de um guia, a educação empurra para fora. Parte, sai. Sai do ventre de tua mãe, do berço, da sombra oferecida pela casa do pai e pelas paisagens juvenis.
Ao vento, sob a chuva: do lado de fora faltam abrigos. Tuas idéias iniciais só repetem palavras antigas.
Explodir em pedaços para se lançar em um caminho de destino incerto exige um heroísmo que sobretudo a infância parece capaz de mostrar.
... só resta tomar o corpo, a língua ou a alma a contrapelo. Bifurcar quer dizer obrigatoriamente decidir-se por um caminho transversal que conduz a um lugar ignorado. Sobretudo: jamais tomar a estrada fácil, melhor atravessar o rio a nado. Partir. Sair. Deixar-se um dia seduzir. Tornar-se vários, desbravar o exterior, bifurca em algum lugar. Eis as três primeiras estranhezas, os três primeiros modos de se expor. Porque não há aprendizado sem exposição, às vezes perigosa, ao outro. Nunca mais saberei quem sou, onde estou, de onde venho, aonde vou, por onde passar. Eu me exponho ao outro, às estranhezas. Por onde, esta é a quarta questão, colocada com novos dispêndios. O guia temporário e o mestre conhecem o lugar para onde levam o iniciado, que ainda o ignora mas a seu tempo o descobrirá."

E assim parti...
E foi uma volta temporária que me mostrou o lugar para onde vou. Tive que sair, voltar sair mais uma vez, para ter certeza. Descobri o que tinha que descobrir!
Quando voltei de Londres, sofri muito com uma vontade. Vontade de voltar... Sonhava com isso constantemente durante anos. Sabia que eu podia passar o resto da vida vivendo aquilo que vivi por lá. Eu era pleno. Mas o sentimento de conhecer um lugar coisas muito melhores e viver uma vida mais minha, fizeram da minha volta um problema. Não queria aquela realidade pra mim. Então saí mais uma vez. Encontrei outro lugar com coisas melhores e vi que viver uma vida mais minha, depende só de mim.
Acontece que tinha um ponto que ainda não tinha percebido. Minha busca era por uma coisa minha, mas a lição ia mais além... Descobri que consigo fazer sozinho tudo que fiz com a ajuda de amigos de verdade em Londres. Só dependo de mim. Tenho forças pra enfrentar qualquer dificuldade. Mas a volta pro Brasil me mostrou um outro lado nisso tudo. Mesmo podendo fazer tudo sozinho, posso fazer tudo bem melhor com a ajuda de amigos.
Pude encontrar mais uma vez o Fábio. Um amigo que deveria chamar de algum outro nome, de tão amigo que é. Acho que ele não faz idéia de quanto o considero. O quanto ele é importante pra minha vida. Quanto já me ajudou e ainda ajuda. Mesmo convivendo pouco. Mesmo em momentos curtos. Me enche de esperança, confiança e determinação. Me ilumina por dentro e me ajuda a entender meu passado, decidir no presente e sonhar no futuro.
Tive a satisfação de passar alguns momentos com o Élido e sua vida, tão diferente, agora que é pai. Uma mudança que também me ilumina. Me faz entender muito sobre a vida. Muito sobre família. Muito sobre luta e esperança. A grandeza de uma vida tranqüila ao lado de quem amamos. Como ao lado do Pedro, meu companheiro de bagunça, é um homem responsável. Um pai apaixonado. Uma pessoa feliz! Tive pouco tempo com o Michel, porque na correria do trabalho, ele ainda segue seus ideais. Constrói a base de suas idéias. Me enche de fé nas batalhas do dia-a-dia. Me faz acreditar em acordar cedo e ir dormir tarde pelo trabalho. Em que mesmo nós sendo pequenos, podemos lutar com inteligência contra os grandes. Mas teve alguém que me marcou de uma maneira especial. Alguém que não diminui nem um pouco a importância dos outros. Que não encerra a lista de tantos outros amigos que têm uma importância enorme pra mim. Mas que compartilha de forma mais próxima a noção das mudanças pelas quais estou passando.



O Paulo foi minha outra metade enquanto estive em Londres. Já era assim um tempo antes, seguiu assim um tempo depois. Comecei minha amizade com ele quando eu tinha vinte anos e seis meses. Agora, que faltam seis pros meus trinta, começo a ter mais noção do tamanho dessa amizade. Posso não ter tanto tempo de amizade com ele quanto tenho com outros amigos dos tempos de colégio. Posso não vir a ter mais tanto contato com ele como terei com outras futuras pessoas que passarão pela minha vida. Mas meus vinte anos foram com ele. É a figura que mais representa essa fase da minha vida. O símbolo dos meus vinte. Quase tudo que fiz e considero grandioso, durante essa fase, fiz com ele. Muitas festas. Muitas conversas. Companheiros de trago e de conselhos de amor. Sonhos sonhados juntos, caminhos debatidos com enérgica divergência. Viagens. Até para outros mundos. Sucesso e dinheiro. Nossa... quanto dinheiro. Hahahahaha... Mas no fundo, acho que a coisa que mais nos une é o que representamos um para o outro. O poder que temos de fazer o outro enxergar o que não conseguia ver. Um para o outro, somos um espelho. Onde vemos nossos maiores defeitos. Mas o que também nos mostra nossas maiores virtudes.
Foi a pessoa que mais pensei e quem mais gostaria que estivesse do meu lado nessa viagem. Foi alguém que o destino cuidou para estar de volta pra Porto Alegre no mesmo tempo que eu. Pra eu sentir a energia de sua viagem. Junto com a minha. A viagem dele ainda é um sonho meu, que um dia vou conseguir encaixar no meu caminho. Um sonho que tivemos juntos, junto com outros tantos. Sonhos que ainda realizaremos, juntos ou separados. Mas o que importa agora é o impulso que um dá ao outro. O apoio, a idéia, a motivação.
Além disso tudo, mesmo no primeiro dia de reencontro. Ele me trouxe algo mais do que uma amizade. Logo ao seu lado, eu via uma luz que me fazia até esquecer o reencontro com o amigo. Uma visão da qual eu queria mais. E me trouxe novas idéias, novos sonhos. Sonhos que nunca teria com ele, mas que posso ter pra sempre com ela. E acho até engraçado, ter alguém do meu lado, com quem tenho um irmão em comum.
Meu companheiro dos 20
No final, me fez apaixonado
E será que a partir dos meus 30
Meu irmão vai virar meu cunhado?

Hahahahahahahahaha...
Nessas pequenas coisas... Algumas coincidências. Que acham sentido pra tudo. É onde eu vejo que a vida é bela. Pra quem olha com alegria. Me sinto feliz e sigo tranqüilo.
Juntando todas essas coisas. Ouvindo as histórias da viagem que ele fez. Os planos que ele disse que já tinha pra mim e a noção de que se pode fazer muita coisa ainda aí no Brasil. O sentimento de conforto por estar perto da família. A alegria de estar com os amigos outra vez. O coração enlouquecido dizendo que tudo que se precisa é só amor. A vontade de conhecer mais do meu país. Me sentir mais na minha terra. Tudo isso me fez me sentir mudado. Me sentir completo. Cheguei onde queria chegar. Onde tinha que chegar. Entendi que sou capaz de fazer tudo sozinho. Mas estando ao lado dos meus amigos e daqueles que amo, me sinto muito melhor, e por isso, posso fazer tudo melhor.
E assim..., depois de toda a travessia. Depois de todo o aprendizado. Me jogo mais uma vez da ponte. Me atiro ao ar e vôo. Mergulho em mais um rio. Procuro mais um aprendizado. Mais uma mudança. Sei que é mais um desafio. Sei que terei que aprender muita coisa. E pra isso, terei que fazer muita coisa. Mas sei dos sonhos que tenho. E olho pra minha frente, vendo o caminho que ainda tenho a percorrer. Existem muitos outros rios pra atravessar. Muitas outras coisas pra se aprender. Então, decidi não ficar parado, esperando para descansar. Decidi já cruzar outras águas. Porque é longe que quero chegar.


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