domingo, 9 de agosto de 2009

Diários de Bicicleta - Capítulo 10



Depois de muito tempo, volto a explicar diretamente o que está acontecendo nessa viagem. No meio do rio, as águas correm mais rápido. A correnteza não me dava tempo nem de parar pra escrever. Mas acontece que agora cheguei do outro lado do rio. Completei a travessia. Venci o desafio e simplesmente, mudei. Mais uma vez, sem medo de ser uma metamorfose ambulante. Porque é justamente a mudança que nos permite continuar sendo nós mesmos, apenas numa nova situação. E agora posso escrever novamente, tenho mais tempo pras minhas coisas.

Quando vim pra Austrália tinha um plano, conseguir a residência para poder abrir um negócio (que seria um bar, restaurante ou pousada) e poder fazer um mestrado em História na Universidade de Melbourne. Mas antes de qualquer coisa, queria matar a vontade que tinha de fazer outra viagem como a que tinha feito pra Londres, mas dessa vez fazer ela sozinho. Para saber do que sou capaz. A viagem deu tão certo que antes mesmo de um ano, consegui realizar uma vontade que não realizei da Europa, de voltar pro Brasil de surpresa, com presente pra todo mundo e dinheiro no bolso. Saber que não só valeu a experiência, mas financeiramente também foi positivo. Só que viajar de volta pro Brasil muda qualquer pessoa, tanto como viajar pra fora dele.

Antes de sair da Austrália, muitos aqui me disseram que achavam que eu iria acabar me apaixonando ou desistindo de voltar do Brasil por qualquer razão. Mas fui, e voltei. Apaixonado, é verdade!!! Mas voltei. Voltei por alguma razão que não sei qual foi. Talvez só pudesse ser assim mesmo...

Fui pro Brasil por causa do aniversário de 50 anos da minha mãe. Apesar de saber dos riscos de não conseguir o visto mais uma vez e ou de não ter mais o emprego na volta. Sempre vivi do lado dela e cada vez que saio, tenho muita vontade de chorar. Mas também pude aproveitar um pouco do meu pai. Pouco apenas no tempo, porque pelo menos pra mim foi muito intenso. Aprendi como a muito não aprendia. Sempre vivi longe dele, mas cada vez que vejo, eu quero ficar mais.

A travessia do rio foi um aprendizado sobre mim. Assuntos meus, comigo mesmo. A chegada ao outro lado, me mostrou que depois de cuidar de nós mesmos, cuidamos da nossa família. E eu comecei pela família que me gerou. Mas também caminhei pra família que vou gerar. Mas apesar de tudo, eu sai do ninho mais uma vez. Para ter certeza, acho que precisava sentir no peito. Mais uma vez a saudade e a tristeza do até mais no aeroporto pro meu pai. Mais uma vez o choro doído ao abraçar a minha mãe. E pela primeira vez um sentimento de separação que só se comparava ao sentimento que tinha quando muito criança e eu chorava por ficar na casa da minha vó sem minha mãe por alguns dias. Esses dias eram meses pra mim. E o amor que surgiu em meio a isso tudo fala tão forte dentro de mim que me faz criança na dor e na alegria. Me faz sentir o futuro da minha família mais perto de mim. O único plano que não estava nos planos dessa viagem. Surge de repente, e muda alguma coisa dentro de mim que se junta ao aprendizado com meus pais.

Além de ter o sonho de formar uma família, tenho sempre comigo o sonho de mudar o mundo. Desde que meu pai me disse que queria deixar um mundo pros filhos dele, melhor do que o que ele recebeu. Quero deixar também um mundo melhor pros meus. E hoje vejo, nos olhos da Carol, uma vida em família. E assim, mudei querendo caminhar mais diretamente nessa direção. De poder assumir novas responsabilidades. De saber viver do outro lado do rio. Finalmente deixando a vida de jovem e aceitando a vida de adulto. Sabendo que novas fases trazem novos desafios. Mas que em todas as fases que vivi até hoje, soube ser criança, dar risada, brincar, sonhar e ser feliz. E isso não vai mudar. Vou continuar escrevendo minha vida como se fosse um livro. Vou continuar vivendo minha vida como se fosse um filme, um conto de fadas, mas uma história de gente grande.

Só por todas essas mudanças que aceitei o caminho que o destino me colocava a frente que era seguir com os planos que já tinha. Mas já focado nos objetivos que os conselhos de meu pai me ajudaram a enxergar. Colocar logo meus planos em prática e principalmente, com os pés no chão. Muito critiquei meu pai por não seguir ao pé da letra todos os planos e sonhos que já teve um dia. Dessa vez, vi ele chegar a chorar falando o quanto se importava com seus filhos. E na seqüência disso tudo, também senti a importância que têm os meus. Como todos os meus sonhos se relativizam se comparados ao sonho de ter um filho. Acredito que a característica mais forte em quase todos os animais seja a defesa incondicional de seus descendentes.

Não que se deixe a vida de lado pelos filhos. O objetivo final, os sonhos, são os mesmos. Mas o caminho até eles muda. Dá vontade de não arriscar tanto. Pelo menos não os altos riscos da vida de cuidar só de si. Uma necessidade maior de ver as coisas acontecendo. Uma base se formando. Um terreno onde construir uma casa.

Depois de enfrentar a direção do destino oposta ao coração e aos planos futuros, cheguei de volta ao outro lado do mundo. Vendo tudo já com novos olhos. Senti a diferença dos amigos que se foram e a turma nova não é mais a minha. Junto com aqueles que insistem em ficar, mas buscam coisas das quais não chegam perto. O lugar é bonito, mas essa vida já não é mais pra mim. Mas ia agüentar pela recompensa financeira a curto prazo. Dava pra fazer um caixa e depois pensar com calma. Mas o emprego também mudou. E a lei de mercado que impera aqui, da sempre preferência pra quem não saiu. O dinheiro vem, mas tu não pode se soltar.

Posso então tentar começar de novo. Demorar um tempo achando um novo caminho até me estabelecer pra só depois juntar dinheiro. Pensando com os pés no chão, é isso que vai acontecer. Não conseguiria juntar nada que fosse mudar minha vida.

Pesquisei sobre os mestrados. Vi que pra entrar num mestrado no Brasil e escrever sobre o assunto que eu quero de uma maneira que isso me abra portas pro futuro, vai ser muito difícil. Conseguir fazer isso aqui, conseguindo bolsa e ainda me virando pra me reorganizar, seria impossível. Mas podia juntar uma grana pra fazer o mestrado em Coimbra, que eu tinha ouvido falar que é bem barato. Barato é mesmo. Uns mil euros por ano. Só que não tem mestrado em história. Haahahahahaha... Nessas horas em que tudo dá errado é que eu paro e dou risada. Fica claro pra mim que esse não é o meu caminho. Mas ainda assim eu poderia ficar aqui e juntar uma grana pra levar pro Brasil.

Pesquisei então sobre mestrados no Brasil. Não vai ser agora uma pós no exterior, mas quero então uma faculdade federal. Pesquisei várias capitais. Adivinha só... As duas que tem linha de pesquisa exatamente onde eu quero são a UnB, em Brasília, e a UFRGS, em Porto Alegre. Cidades do meu pai e da minha mãe. Onde estão meus irmãos e meus amigos. Onde sei que me sinto bem. Pois aprendi isso agora. Por mais que se tenha experiências intensas fora da nossa cidade. A alegria que temos estando nela não se alcança em nenhuma outra. E me sinto em casa em ambas.

Aí o destino veio dar mais uma idéia... O processo de seleção da UnB vai de setembro ao início de dezembro. O da UFRGS ainda não saiu o edital, mas ano passado foi do final de dezembro ao meio de janeiro. Se por alguma razão eu ainda quiser mudar de idéia e voltar pra Austrália, ainda tenho visto até fevereiro que se estenderia mais sete meses.

Então pensei... a viagem acabou.

Vou voltar pro Brasil, ficar com meu pai estudando pros dois mestrados até dezembro em Brasília. Ir pra Porto Alegre e fazer a seleção da UFRGS. Ver o resultado das duas e daí decidir que caminho dar. Mas vou pra conseguir bolsa e somar isso a graninha que entra do apartamento pra me sustentar no tempo de mestrado. Depois dar aula em alguma universidade até estar preparado pra fazer meu doutorado. Acredito que depois disso, ou no meio do caminho, devo encaixar também um concurso pro Instituto Rio Branco. Pra logo na frente poder investir na carreira de diplomata e assim chegar nos meus planos de mudar o mundo. Juntando aos sonhos uma situação financeira um pouco apertada, mas possível, nesses primeiros tempos. E com uma perspectiva a médio prazo de uma grana bem mais tranqüila.

É uma mudança brusca de rumo, mas a mudança já aconteceu. Posso seguir tentando algo mais tranquilamente por aqui. Ou posso encarar um desafio maior, mas no sentido do que quero e perto de quem gosto. Os planos que tinha estavam certos, porque não sabia o que fazer. Funcionaram porque hoje sei o que fazer. Só que justamente por isso, os planos agora são outros.

Assim, comecei a realmente gostar da idéia...

E quando me dei conta que hoje é dia dos pais, aí então eu decidi. Chegou a hora de voltar por causa do meu pai. Pelas lições que ele me deu. Pelos sonhos que ele me deu. Pela chance de viver um pouco mais juntos que a vida ainda não tinha nos dado. Aí então decidi. Decidi que esse ano, meu presente do dias dos pais é apenas um sim. Um sim ao convite para morarmos juntos que meu pai me faz a mais de vinte anos.

E se o convite ainda estiver de pé...

Essa viagem de mudança
Esses diários de uma criança
Pegam esse meu sim
E colocam como fim.


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