sábado, 31 de maio de 2008

Diários de Bicicleta - Capítulo 2


Engraçado como são as coisas. Chega um certo momento na vida onde nossas decisões parecem adquirir um peso que não tinham antes. Quando somos crianças ou adolescentes, qualquer decisão parece ter a mesma importância que decidir entre usar uma camiseta azul ou branca. Nada faz diferença. O importante é fazer o que vier na cabeça. Conforme vamos amadurecendo, cada decisão vai se tornando mais pesada. Mais difícil de ser tomada. Ao mesmo tempo que temos mais experiência com relação à vida, temos mais noção de como, mesmo as pequenas coisas, influenciam no destino que teremos.

Quando se trata de uma decisão sobre ir morar em outro continente, do outro lado do mundo, a consciência da dimensão disso passa a ser algo quase que paralisante. Como posso dar um passo desess? Como posso deixar meu país, meu estado, minha cidade. Ficar longe da minha família, dos meus amigos. Não ir mais aos jogos do Grêmio (sem dúvida o que mais me pesa a consciência). Mudar meu rumo profissional. Mudar de língua. Deixar um possível amor pra trás. Meu sítio, o pôr do Sol no Guaíba, Santa Catarina, Cambará do Sul, São Francisco de Paula, Gramado. Até Capão da Canoa deixa saudades. Cada uma dessas coisas parece tirar um pedaço de mim. Mas mesmo assim, sei que devo seguir em frente. Afinal, o tempo passa, e depois de alguns anos não quero olhar pra trás e imaginar: "Como seria se eu tivesse ido?" Que seja como tiver que ser. Com uma imensa dor no peito e os olhos cheios de lágrimas eu ignoro meus sentidos e sigo caminhando. Em frente!

Já achei que melhor seria fazer essa viagem acompanhado. Mas o destino chama a mim e a mais ninguêm. Não sei o que vai acontecer e por isso não posso colocar ninguêm no mesmo barco que eu. Procurando companhia para essa aventura, vivi grandes emoções, mas um cara chamado Fagner cantando me fez entender...

"O aço dos meus olhos e o fel das minhas palavras
acalmaram meu silêncio mas deixaram suas marcas.

Se hoje sou deserto é que eu não sabia
que as flores com o tempo perdem a força
e a ventania vem mais forte.

Hoje só acredito no pulsar das minhas veias
e aquela luz que havia em cada ponto de partida
há muito me deixou, há muito me deixou...

Ah... Coração alado.
Desfolharei meus olhos nesse escuro véu.

Não acredito mais no fogo ingênuo da paixão.
São tantas ilusões perdidas na lembrança.

Nessa estrada só quem pode me seguir sou eu!
SOU EU! SOU EU!! SOU EU!!!"


Então, assim sigo meu caminho. Sozinho não! Junto comigo mesmo. O maior parceiro que eu já tive. Presente em cada segundo dessa vida. Sofrendo com cada dor e aproveitando cada alegria.

Tem uma coisa que eu pensei esses dias e que me parece a melhor analogia para esse momento. Decidir viajar é muito fácil, mas realmente colocar isso em prática é que é o problema. Tantas coisas que nos prendem ao lugar de origem. Mas uma vez meu grande amigo Luiz Gustavo me levou pra pular de uma ponte que fica na Estrada do Mar, bem perto de Imbé. A ponte deve ter perto de 10 metros de altura, talvez até menos. Achei que seria fácil, mas quando parei na beira da ponte vi que a coisa seria mais complicada. A vontade de pular era total. Eu não tinha medo de nada. Mas quando jogava meu corpo pra frente, minhas mãos ganhavam vida própria e se seguravam na borda da ponte pra não deixar eu ir. Demorei um bom tempo tentando, mas sem conseguir me soltar da segurança que a ponte me oferecia. Tive que dar uns passos pra trás e, então, correndo e sem pensar nem olhar para nada, deixar meu corpo ir. Só assim consegui sair da firmeza do chão e enfrentar o vazio do ar. Voar deve ser o maior sonho dos homens. Sensação que só que experimenta sabe o que é. Sem para-quedas, sem cordas, apenas eu e o ar. Risco... Sempre existe. Mas faz parte da vida. Só assim se descobre o que a vida planejou pra nós. E pra terminar, nada como mais uma música. Já falei dela antes, mas o valor de suas palavras fazem com que não seja apenas uma repetição. Serão sempre uma lição.

"Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo.
Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar.
Não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida
a rir ou chorar...
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela
que um dia enfim... descolorirá."

Aproveitemos então enquanto a vida é cheia de cores!

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